Café Legal
Certo dia fui surpreendida por um evento na minha agenda: “Café Legal.”
Era um convite de duas pessoas do Time de Legal da Alice para um café. Dentre outras coisas, elas queriam entender mais sobre a Área de Produto e como elas poderiam contribuir de forma ativa com as nossas tomadas de decisão.
Falamos sobre amenidades, eu expliquei um pouco sobre as Áreas de Produto e Tecnologia e quando me questionaram sobre como poderiam ser mais participativas nos nossos processos, eu inconscientemente respondi: “precisamos inserir vocês nos nossos discoveries.”
Falei isso com certa naturalidade e fiz uma pausa. Elas me olharam com cara de “quê?”. E então perguntei: vocês sabem o que é discovery?
Elas não sabiam. E isso, de forma alguma, é um demérito. Nós, que trabalhamos com produtos digitais, estamos muito acostumados com determinados termos, que acabamos utilizando com pessoas que não lidam diretamente com o nosso universo.
Expliquei para elas o que vou resumir aqui:
Discovery, como o nome já indica, é um processo de descoberta: existe um problema, existem hipóteses de como resolver esse problema e, baseado nessas hipóteses, existem as possíveis soluções.
No discovery, buscamos encontrar a melhor solução para um problema sob três pilares: usuário (UX), tecnologia (viabilidade) e negócios (alinhamento estratégico).
E, embora o discovery seja, muitas vezes, liderado por uma pessoa de produto (PM), ele é executado em conjunto com Product Designers e pessoas de desenvolvimento (tech), que têm papel fundamental para se obter um bom resultado.
Como estamos descobrindo a melhor forma de “descobrir” na Alice
Somos uma empresa early stage e sempre estamos descobrindo a melhor forma de fazer alguma coisa.
Uma das nossas virtudes é: “Subimos a barra, evoluímos todos os dias”. E para o processo de discovery não é diferente.
Iniciamos no melhor modelo free style.
Cada PM, com sua experiência e bagagem de aprendizados, iniciou e concluiu diversos processos de discovery. E os resultados, naturalmente, tiveram méritos, falhas e novos aprendizados.
Decidimos nos reunir para unificar esse processo, juntar nossas forças para preencher as lacunas de cada processo individualizado.
E chegamos a um framework que vou detalhar a seguir.
Framework de Discovery da Alice
Para apresentar o framework, vamos usar um suposto problema como exemplo:
Muitas pessoas do Time de Saúde estão reportando baixa adesão dos membros ao plano de ação.
Plano de ação é uma lista de tarefas que o Time de Saúde estabelece com o membro com o objetivo de tornar sua vida mais saudável. As tarefas podem variar entre: iniciar uma atividade física, realizar um exame, se consultar com um especialista, tomar um medicamento, fazer acompanhamento com Nutricionista, entre outras coisas.
Esse framework está dividido em 2 grandes etapas:
- Entendimento do problema e levantamento de hipóteses;
- Validação ou redução do grau de incerteza das hipóteses e proposta de solução;
Cada uma dessas etapas é marcada por um evento que reúne as pessoas envolvidas com o tema central do discovery.
1ª Etapa: entendimento do problema e levantamento de hipóteses
Ser PM é fazer escolhas, sempre — ser humano é fazer escolhas, sempre!
Como PM precisamos escolher qual problema resolver primeiro. Isso porque existem recursos limitados para desenvolver soluções. Essa etapa tem dois objetivos principais:
- Responder se o problema é relevante (qual é o impacto dele) e se existe alinhamento estratégico para priorizar a solução desse problema;
- Levantar hipóteses para solucionar esse problema;
É sempre importante frisar que hipóteses não são soluções. As hipóteses estão mais relacionadas a “o que deve ser feito” para se obter determinado resultado, enquanto as soluções estão relacionadas a “como isso deve ser feito”.
Eu sugiro escrever as hipóteses utilizando esse modelo: se [variável], então [resultado], porque [racional].
Utilizando o problema de exemplo: se [as pessoas tivessem uma maneira mais fácil de agendar seus exames], então [o engajamento delas com o plano iria aumentar], porque [verificamos que + de 45% das pessoas demoram mais de 15 dias para agendar seus exames e aproximadamente 25% das pessoas não realizam o agendamento].
A hipótese aqui: as pessoas têm dificuldades para agendar exames.
A solução a gente deixa para a segunda etapa.
Nessa primeira etapa vamos a fundo no entendimento do problema. Entre outras coisas, fazemos entrevistas com as pessoas envolvidas, shadowings (passar um tempo acompanhando a rotina dessas pessoas ou, até mesmo, assumir esses papéis), análise de dados, análise da evolução do produto, etc…
Como resultado dessas ações, temos um documento contendo:
[x] Descrição do problema
[x] Descrição do impacto do problema
[x] Evidências (quali/quanti) do problema a ser resolvido
[x] Impacto no OKR
[x] Proposta de hipóteses
Essa etapa é marcada pelo evento Discovery Kick-off, onde reunimos os principais stakeholders para apresentar o problema e as hipóteses de solução. Nesse evento buscamos o buy-in dos envolvidos para seguir para próxima etapa.
Ou seja, baseado no que sabemos até aqui: podemos afirmar que o problema é relevante, e o desenvolvimento de uma solução — agora — está alinhado estrategicamente com a empresa?
Se sim, next (se não, re-prioriza)
2ª Etapa: validação das hipóteses e proposta de solução
Ótimo. Já conhecemos a fundo o problema e já temos em mãos algumas hipóteses de como solucioná-lo. Mas como saber se essas são hipóteses válidas? Existem algumas formas.
Vamos usar como exemplo a hipótese descrita na primeira etapa: se [as pessoas tivessem uma maneira mais fácil de agendar seus exames], então [o engajamento delas com o plano iria aumentar], porque [verificamos que + de 45% das pessoas demoram mais de 15 dias para agendar seus exames, e aproximadamente 25% das pessoas não realizam o agendamento].
Aqui o problema é o baixo engajamento ao plano e a hipótese é que isso se deve à dificuldade de agendamento de exames.
Uma das formas de validar as hipóteses é entrevistar as pessoas que possuem baixa adesão ao plano. Nessas entrevistas, perguntamos a elas se aumentaria a probabilidade de adesão ao plano se houvesse uma forma mais fácil de agendar os exames.
Perguntamos também sobre outras hipóteses de solução a fim de entender quais são mais aderentes.
Outra forma complementar a essa, é simular um cenário onde enviamos um formulário para o membro para coletar informações sobre o melhor dia/horário de realização de exames e fazemos o agendamento pela pessoa.
Ao final desta simulação, comparamos se o engajamento ao plano dessas pessoas aumentou em comparação às demais.
Sim? Sinal de que estamos no caminho certo!
Entrevistas, cenários simulados e benchmarks são algumas formas de reduzir incertezas em relação às hipóteses.
Nesse momento algumas hipóteses serão validadas, outras terão seu grau de incerteza reduzido, e outras cairão.
Com base nas hipóteses validadas, partimos para o desenho da solução.
Utilizando o mesmo exemplo, o que fazemos aqui é propor qual é a melhor forma de facilitar o agendamento de exames.
Podemos ter como solução, uma funcionalidade de agendamento de exames no app da Alice. Sendo assim, criamos um protótipo dessa funcionalidade e selecionamos pessoas para testarem a solução.
Minha sugestão é, se possível, desenvolver protótipos navegáveis de alta fidelidade.
Isso ajuda muito a ter resultados de testes mais assertivos, e, não menos importante, é uma documentação bastante robusta para posterior alinhamento com todos os envolvidos.
Com o protótipo em mãos, partimos para os testes, e inicia-se o famoso ciclo — teste > feedback > iteração — até chegarmos à solução final.
Aqui na Alice usamos e abusamos do Maze para testes de usabilidade. É uma ferramenta incrível, que nos ajuda a ter mais alcance, e resultados mais estruturados.
Ah, e sabe o Time de Legal?
Então, esse é um ótimo momento para envolvê-lo se você entender que a solução proposta pode ter algum impacto jurídico.
Ou apenas para pegar a opinião deles, porque eles são “legal” — (tudumtss).
Ao final dessa etapa complementamos nosso documento de discovery com mais esse checklist preenchido.
[x] Descrição da solução (fluxograma, protótipo, casos de uso, etc.)
[x] Evidências de validação / invalidação das hipóteses
[x] Validação da solução com users
[x] Roadmap
[x] Métricas de sucesso
[ ] Alinhamento com stakeholders
Para coroar, convidamos os stakeholders envolvidos para um evento que chamamos de Discovery Sign-off, apresentamos a solução final e nos alinhamos sobre os próximos passos.
[x] Alinhamento com stakeholders
Para finalizar…
Todo esse framework pode dar, à primeira vista, a impressão de excesso de burocracia. Mas ele é só uma trilha, e não um trilho — parafraseando o Time de Saúde da Alice em relação aos protocolos de saúde. Cumprir todas essas etapas, ou apenas parte delas, depende da complexidade e impacto do problema e do grau de incerteza em relação às hipóteses.
O discovery ajuda a validar hipóteses, mas dificilmente será possível reduzir a zero o grau de incerteza em relação a elas.
Muitas vezes é importante arriscar. A verdade é que uma hipótese somente será 100% validada quando a solução derivada dela estiver em uso.
Muito embora o discovery seja uma importante ferramenta para evitar custos que são evitáveis com a implementação de uma solução que tem grandes chances de não funcionar, ele é, também, um processo que custa caro. É preciso escolher quais batalhas lutar!