A era do banco de currículos, recebidos de centenas de candidatos para uma vaga, ficou para trás. Ao menos, nas empresas de tecnologia. Para garimpar talentos de engenharia, produto e dados, profissionais de Recursos Humanos têm apostado em táticas proativas e mais assertivas de Talent Acquisition. Busca ativa de candidatos, funil de aquisição e Inteligência Artificial são algumas das armas para contratar em um mercado tão disputado.
“Um candidato de tech é abordado por dez, 15 recrutadores por dia no LinkedIn, dependendo da senioridade e especificidade do que ele faz”, conta a diretora de Recursos Humanos da CRMBonus, Marcia Denes. Ela está à frente da estratégia de pessoas da empresa de giftback que captou sua rodada Series B em maio passado.
Com mais de 7 anos de experiência no mercado de tecnologia, Denes explica que empresas de crescimento acelerado precisam não apenas de um forte Employer Branding, mas também de uma proposta de valor bem estruturada para os colaboradores – um verdadeiro “playbook” de engajamento e retenção. “A gente tem que deixar a pessoa feliz também, ela precisa entender se está no lugar certo, se o trabalho faz sentido para ela.”
Em entrevista ao Blog da Alice, a profissional compartilha os desafios do RH estratégico na construção de Talent Acquisition, enumera os KPIs da área e também reflete sobre as dificuldades de atrair e reter top-talents.
Quais são os maiores desafios para recrutar e contratar quadros qualificados no mercado de tecnologia, na sua visão de profissional com mais de dez anos no universo de Talent Acquisition?
Hoje tem dois principais desafios: um é Employer Branding, que é como você constrói a sua imagem como empresa para fora e como você usa isso para atrair os colaboradores. Outro é o Employee Value Proposition: uma vez que o colaborador está lá dentro da empresa, como você consegue trabalhar essa proposta de valor, e isso inclui o pacote total de rewards, recompensa, bem-estar dele, tudo.
O Brasil teve um boom de IPOs e de empresas digital e acho que muitas startups começaram muito pequenas, no mercado tech, e sem se importar com o Employee Value Proposition. Então, era aquela coisa de dar [ao colaborador] apenas um computador para a pessoa ir trabalhando e só. Acho que isso deu certo durante alguns anos. Mas, depois, isso não funcionava mais porque a galera de tech estava sendo muito assediada – e ainda é – por empresas de fora que pagam em dólar, em euro e que dão vários outros benefícios.
Então, o RH no Brasil teve que se reinventar para deixar o trabalho aqui mais atrativo, não só pela remuneração. Acho que a gente está nesse momento agora. Na pandemia, houve um êxodo absoluto de pessoas saindo de empresas, trabalhando de casa, mas sendo pagas em dólar, em euro.
Agora que muita gente está voltando para o escritório, estamos em um momento de revisitar tudo isso. Todos os RH de empresas estão pensando em como transformar as empresas em atrativas, não só para que as pessoas queiram vir trabalhar, mas queiram algumas vezes vir no presencial. E, para isso, você tem que construir uma cultura super sólida, pacote de benefícios etc.
Você falou sobre a reinvenção dos RHs; qual você acha que deve ser o papel do RH para construir uma área de Talent Acquisition? A que ele deve estar atento para construir essa área?
Na realidade, hoje muita gente ainda vê Talent Acquisition como só recrutamento, e eu acho que o recrutamento é apenas uma parte. Talent Acquisition é responsável por todo o processo e toda a experiência do candidato até o momento que ele entra na empresa e, mais do que isso, a gente entende que ele também é responsável por acompanhar os primeiros momentos do funcionário. Ou seja, aquele momento de transição, quando o candidato está virando um colaborador, todo o onboarding.
Como você promove uma jornada em que a pessoa candidata se sinta efetivamente uma pessoa e não só um número numa seleção?
Acredito muito na experiência não robótica do candidato. E eu acho que isso faz muita diferença, principalmente para a galera tech. Um candidato de tech (de áreas como Engenharia, Dados e Produto) é abordado, dependendo da senioridade e especificidade do que ele faz, por dez, 15 recrutadores por dia no LinkedIn. Então a gente tem que pensar desde a forma como faz uma offer para a pessoa. Porque antes a gente mandava um e-mail e hoje a gente liga pra pessoa, fala com ela, passa uma apresentação, explica nossa cultura, explicamos que, se a pessoa topar trabalhar com a gente, vamos ajudar durante todo o processo de admissão, passamos a remuneração e perguntamos se ela está confortável com a proposta e se tem alguma coisa pra dizer.
E aí a gente manda tudo por e-mail. Isso muda muito [a percepção do candidato]. É uma coisa pequena que todo RH deveria fazer. Você dá uma segurança para a pessoa de que é uma empresa séria, de que não é uma startup que vai te dar só um computador ou nem isso, você vai ter que começar a trabalhar sem ter um onboarding.
E outra coisa é o próprio onboarding. Entre os projetos que estão em curso na CRMBonus, temos o Buddy, que é bem conhecido em empresas tech: uma agenda pré-feita de onboarding muito mais robusta e estruturada em que alguém da área vai acompanhar o novo colaborador, vai trazer um pouco de profundidade da área. Então tem alguns projetos que fazem não só o processo seletivo mas o pós-processo ser mais humano.
Na CRMBonus, vocês sempre dão feedback para os candidatos que participam da seleção?
O recrutador costuma ser muito demandado. Às vezes as minhas recrutadoras têm abertas de 12 a 20 vagas ao mesmo tempo. Não consigo exigir que elas liguem para absolutamente todos os candidatos para dar um feedback. Mas o básico é: faz mais de uma semana que você entrevistou a pessoa? Então, você manda um e-mail contando: “Olha, o processo continua. A gente não avançou por causa de X, Y, Z”. Dessa forma, a gente mantém o candidato aquecido quando é o caso.
É importante pensar no funil [de aquisição] e em quais indicadores a gente precisa olhar. Mais do que isso, dentro desses indicadores, quais são os principais detratores? Em qual etapa do funil a gente está perdendo mais candidatos e por quê?
Ou, em caso de o candidato não ter passado, minimamente damos um feedback com os porquês [de recusa] um pouco mais explicados, agradecendo a participação. E a gente tem uma resposta automática para cada CV recebido, em que falamos que vamos visualizar e daremos um retorno se fizer sentido. Então, acho que tudo isso é um pacote que faz a pessoa se sentir acolhida; a pessoa vai ter feedback, independentemente se ela passou ou não no processo.
Houve uma mudança em Talent Acquisition daquele tradicional Banco de CV para algo que hoje é mais como um funil, um portfólio de candidatos?
Quando fui headhunter, aprendi como é importante pensar no funil [de aquisição] e em quais indicadores a gente precisa olhar. Mais do que isso, dentro desses indicadores, quais são os principais detratores? Em qual etapa do funil a gente está perdendo mais candidatos e por quê? E a gente sempre tenta trabalhar nessa etapa do funil e em cima desses indicadores. Isso ajuda demais.
O RH deixou de ser uma área de achismos, uma área mais administrativa para ser um RH mega data-driven. Hoje tudo o que a gente faz precisa ter uma explicação, principalmente em empresas tech. Você não convence essas equipes a trabalharem de forma colaborativa com você, a menos que você explique o porquê de você estar fazendo aquilo, com base em dados.
Sobre a mudança de estratégia de aquisição, realmente hoje trabalhamos mais com o portfólio de candidatos. A gente faz entrevistas proativas, conhece as pessoas do mercado. Eu incentivo a equipe a fazer benchmarks, ver o que outras empresas estão fazendo para a gente construir um roadmap mais robusto para os nossos próximos projetos. E acho que o portfólio para a área tech tende a funcionar bem para candidatos mais seniores.
E, nessa perspectiva de portfólio de candidatos na CRMBonus, é comum a empresa gostar de um candidato, mas aquela vaga para a qual ele está aplicando não ser a certa para ele?
Numa startup, a gente quer ter as melhores pessoas nas melhores cadeiras para elas. Então, é muito menos sobre construir um portfólio de candidatos e muito mais sobre quando você encontra uma pessoa legal, que quer dentro da sua operação, você achar um espaço para ela. Daí precisa construir o orçamento e levar com dados a motivação para contratar; onde essa pessoa vai se encaixar e por que a gente deveria trazer ela agora? Temos de fazer um papel muito de business partner ali. Então, existe uma construção de portfólio de candidatos, mas hoje, pela dinâmica do mercado tech, que é muito rápido, eu acredito muito mais em:
- Conheça as pessoas;
- Entreviste-as, às vezes sem ter a vaga aberta;
- Se você entender que aquela pessoa é interessante para a empresa e vai agregar valor, independentemente da posição que você tem aberta, converse internamente;
- Entenda o que é possível fazer em termos de oportunidade e de compensation para ela vir trabalhar na empresa.
É assim que fazemos hoje dentro da CRMBonus.
Você falou de como o RH agora é uma área muito mais data-driven e processual. Quais as métricas de Talent Acquisition que você considera que os RHs devem olhar com maior atenção?
Para mim existe o indicador de SLA (acordo de nível de serviço), que se divide em dois: Time to Fill e Time to Hire. Então, você primeiro vai fazer todo o processo de recrutamento e seleção e medir o tempo, que é o Time do Fill. E depois tem o tempo decorrido de quando a pessoa aceitou a oferta até o momento que a pessoa começa na empresa, que é o Time to Hire. Eu gosto de medir com dois SLAs diferentes, mas no fim do dia é uma coisa só. Para mim, esse é o indicador central e inclusive a minha promessa para a liderança, que é: vamos diminuir o SLA para estar mais de acordo com o benchmark de empresas de tecnologia.
A gente quer ter as melhores pessoas nas melhores cadeiras para elas. Então, é muito menos sobre construir um portfólio de candidatos e muito mais sobre quando você encontra uma pessoa legal, que quer dentro da sua operação, você achar um espaço para ela.
Hoje, a CRMBonus tem um SLA muito curto para vagas operacionais e de suporte, enquanto que para área de Tech a gente tem um SLA mais longo. Estamos sempre pensando em como deixar o SLA mais curto, em como a gente consegue mais agendas dos gestores e entrevistadores para o processo ser mais rápido. Como a gente otimiza esse processo? Faz sentido duas pessoas entrevistarem juntas? Existe algum formato em que ela pode fazer um teste técnico em casa?
A gente mede no funil todas as conversões desde o momento de início. Então, com quantas pessoas a gente falou e quantas pessoas de fato retornaram para a gente até o grau de assertividade na escolha do perfil. Porque não adianta também o recrutador mandar milhões de mensagens para potenciais candidatos e aí, desses milhões, 50% não fazem sentido para a posição. Então, a gente vai medindo literalmente passo a passo e olhando como otimizar.
Além de SLA, também acompanhamos a quantidade de offers que foram recusadas, volume de mensagens enviadas no LinkedIn, o percentual dessas mensagens que se transformaram em entrevista, quantas pessoas foram entrevistadas na etapa final e, dessas, quantas foram contratadas efetivamente.
Na CRMBonus você chegou no período após as aquisições da empresa, mas acompanhou a rodada de captação, certo?
A minha história na CRMBonus era para começar com meu ingresso em janeiro deste ano, mas a head de RH, Camila Porto, ia sair de licença-maternidade no fim de novembro de 2023. Então, antecipei a entrada, e ela ficou comigo por 15, 20 dias antes da licença. A Camila foi meu presente; ela é muito parceira, a gente não estaria onde está sem a mão dela e todas as coisas que ela faz. E logo que eu entrei, o assunto era captação [do Series B], e começaram as viagens [para encontrar investidores]. E esse foi um momento que eu participei muito como RH.
Além de SLA, também acompanhamos a quantidade de offers que foram recusadas, volume de mensagens enviadas no LinkedIn, o percentual dessas mensagens que se transformaram em entrevista, quantas pessoas foram entrevistadas na etapa final e, dessas, quantas foram contratadas efetivamente.
Entrei na empresa depois das quatro aquisições que aconteceram, mas eu não só peguei o Series B, como a gente passou por duas due diligence para fazer o Series B sair. No fim, a Bond Capital investiu R$ 400 milhões na gente, eles nunca tinham investido em nenhuma empresa no Brasil. Foi uma surpresa incrível para a gente – e muito trabalho!
A gente fez reunião com fundo, então eles queriam saber qual era a estratégia de pessoas, quem eram as principais contratações. Ali eu tive uma participação muito grande e foi um desafio, já que meu braço-direito [Camila], que tinha o histórico, estava de licença maternidade.
Como engajar e reter colaboradores numa empresa tão acelerada, que passou por aquisições e agora com essa rodada milionária?
Acho que todo mundo que está em empresas assim está se adaptando. Não adianta a gente falar que é tudo lindo e tudo são flores… Não. Então, como a gente garante o outro lado, o lado humano?
Porque em todas as empresas tech, startups mais maduras, após aquisições, há o desafio de reter e engajar colaboradores. Acho que tem um trabalho profundo aqui do RH e da liderança do que a empresa quer como cultura, de como a gente vai passar isso para os colaboradores. Porque o trabalho pode ser cansativo, mas, se for legal e se eu estiver aprendendo e vendo valor naquilo, se tenho um plano de carreira, se as pessoas estão vendo meu trabalho e estou me sentindo valorizado, se existe uma preocupação com equilíbrio entre trabalho e bem-estar do colaborador, qualidade de vida, a gente consegue cobrar o outro lado [diante de tantas mudanças].
Empresas de hyper growth têm uma cobrança alta porque são empresas com top talents e que querem que as pessoas estejam todas produtivas, felizes e a fim de fazer. E você só vai ter o retorno disso se você estiver oferecendo para seus colaboradores esse “playbook” de qualidade de vida, bem-estar, de melhor uso do tempo deles, além da melhor proposta de carreira e remuneração.
A gente, como liderança, tem que ter na nossa cabeça que top talent é assediado todos os dias. Então a gente tem que deixar a pessoa feliz também, ela precisa entender se está no lugar certo, se o trabalho faz sentido para ela. Quando eu vou ter uma conversa difícil com um colaborador, sempre questiono se a pessoa está feliz na empresa.
Então, nesse contexto tem sido mais desafiador manter os top talents do que encontrá-los e contratá-los?
Pensando em indicadores assim, de forma crua, é mais difícil encontrá-los, encontrar a pessoa certa para a posição certa, porque você tem que encaixar o momento da empresa com o momento da pessoa, o timing.
Enquanto a empresa tem o mote de clientes sempre felizes e satisfeitos, dentro do RH queremos que nossos colaboradores estejam felizes, engajados, entregando o melhor deles. Por isso preciso entender como engajar as pessoas e fazer que elas tenham equilíbrio.
Agora, pensando no aspecto granular, cada ser humano é um ser humano, cada pessoa é única. Então, independentemente de ser top talent ou não, eu acho mais difícil reter. O top talent é olhado e assediado todo dia. Às vezes oferecem ao profissional uma remuneração duas vezes maior e não tem que fazer. E, dependendo do momento de vida da pessoa, é isso. A pessoa está focada em remuneração ou em um cargo que você não consegue dar agora.
Olhando para o dinamismo das empresas de alta performance, há ações específicas voltadas para a saúde e bem-estar do seu time? Qual é o papel do RH nesse tipo de iniciativa?
Enquanto a empresa tem o mote de clientes sempre felizes e satisfeitos, dentro do RH queremos que nossos colaboradores estejam felizes, engajados, entregando o melhor deles. Por isso preciso entender como engajar as pessoas e fazer que elas tenham equilíbrio. Elas vão trabalhar melhor, ser mais produtivas, se estiverem indo à academia, se movimentando, se fumarem menos, se tiverem tempo para hobbies, como ler um livro, escutar um podcast ou algo que não tenha nada a ver com o trabalho. Recentemente, promovemos na empresa uma Semana da Saúde, com palestras sobre temas como esses.
E, culturalmente, sempre garantimos que a gente não está só falando sobre equilíbrio e saúde, mas que a gente está fazendo também. Então, RH, gestores, a gente fala muito de lead by example (liderar pelo exemplo).
Todos os nossos C-levels são muito família, eles têm filhos e vão pra casa logo depois das 18h. Então, eles estão disponíveis, mas não marcam reunião após esse horário. Salvo se for muito urgente. Acho que isso dá uma segurança para quem é mãe também. Por exemplo, eu posso buscar meu filho na escola, eu posso ir e voltar, eu posso fazer minhas coisas.
Para encerrar, como o RH da CRMBonus tem usado inteligência artificial?
A gente implementou o FAQ (Frequently Asked Question, seção de perguntas e respostas) de RH para toda a empresa, com o apoio dos times de Data. As pessoas têm muito aquelas perguntas básicas: “como eu faço para agendar férias da minha equipe?”. “Como eu faço pós admissão?” “Como é o programa de Buddy?” Então, a gente colocou 1 milhão de conhecimentos na plataforma de IA, e existe uma FAQ em que a pessoa vai e pergunta. Claro que estamos iterando a partir das perguntas que estão sendo feitas. Isso é uma coisa que pro DP (Departamento Pessoal) agrega muito valor, porque 50% do dia deles eu diria que é atendimento ao cliente interno, tirando suas dúvidas.
E, para Talent Acquisition, a gente tem usado muito em conjunto com extensões do LinkedIn para garantir mais assertividade nos perfis que buscamos. Então a gente consegue linkar o job description com as palavras-chaves e as buscas ali no LinkedIn, e nossa ferramenta de IA puxa alguns perfis do LinkedIn direto.
Para capacitação, estamos utilizando muito para entender o que as pessoas querem, onde elas querem se capacitar e como isso conversa com os cursos que a gente está colocando à disposição dos colaboradores.