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Como lidar com o luto? Falando sobre a dor da perda

Não precisamos “superar” o luto, mas entender suas fases e saber como elaborá-las.

Como lidar com o luto? Falando sobre a dor da perda

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Só há luto onde existiu amor. Fechar os olhos e fazer essa reflexão pode ser um caminho para entender que o luto não é uma doença e, sim, um processo tão humano e genuíno como outros sentimentos que nutrimos ao longo da vida.

Desde o início da pandemia da covid-19, o enfrentamento da morte se intensificou em todo o mundo. Rituais que há séculos foram adaptados pela sociedade de acordo com a religião e cultura e que têm o objetivo de aproximar as pessoas do entendimento da partida foram interrompidos pelos protocolos sanitários essenciais para conter o coronavírus.

Não pudemos apertar a mão na última despedida, receber o abraço de um familiar ou se apoiar no ombro de um amigo para chorar. E, sem esse processo, é natural que o enfrentamento da morte seja mais doloroso e solitário. 

“O processo do luto é normal. É saudável quando conseguimos oscilar o sentimento de perda com os momentos de reconstrução das nossas vidas. Inicialmente, ficamos mais focados na situação. A falta de rituais dificulta fazer os fechamentos que são importantes para encerrar ciclos e o distanciamento social diminui a construção da rede de apoio”, explica Cesar Ferreira, médico da Alice e especialista em Cuidados Paliativos.

Por que sofremos tanto com a perda de um ente querido?

Essa é uma das perguntas mais buscadas quando o assunto é “luto” e, embora seja um questionamento retórico {afinal, cada um sabe por que sofre pela morte de alguém}, vale entender o que está por trás da perda.  

O ser humano é programado neurobiologicamente a se conectar com outras pessoas. A partir do momento que essa conexão se rompe, é normal se sentir desamparado, inseguro e desprotegido. “Sofremos porque isso faz sentido, psicologicamente. Se alguém não sofre, muito provavelmente nunca se conectou com a pessoa que partiu”, explica Stephanie Witzel, psicóloga da Alice com especialização em oncologia.

E não há apenas uma perda física, segundo destaca Jess Huang, psicóloga da Alice. “Quando uma pessoa querida morre, temos a sensação de que perdemos todas as memórias que construímos com ela, os momentos que vivemos juntas e o que a gente ainda imaginava viver. A gente perde a versão de nós mesmos que aquela pessoa conhecia”, afirma.  

O luto também é o momento em que questionamos a própria vida. “A gente se pergunta qual é o sentido da vida, ficamos mais conscientes da própria mortalidade e, às vezes, causa muito estranhamento o fato de o resto do mundo continuar seguindo, apesar da morte. Mas cada pessoa constrói ou encontra a própria resposta”, detalha Huang.

Como encontramos o luto no decorrer da vida

Há diferentes formas de manifestar o luto. Algumas delas são:

Luto antecipado

Quando a reação à morte começa antes mesmo de um ente querido partir, de acordo com as condições de saúde e prognóstico.

Luto

O processo natural em direção à aceitação da perda com diferentes sintomas e oscilações, bem como a capacidade de continuar as atividades diárias básicas durante o processo.

Luto tardio

Quando o luto se manifesta meses depois de alguma perda.

O que esperamos do luto no fim do processo?

Criar uma nova relação afetiva com a pessoa que partiu baseada em saudades e lembranças e novos rituais para incluí-la em sua jornada de vida.

Fases do luto: quais são e como identificá-las?

Há várias emoções que oscilam durante o período do luto, e todas são importantes para compreender e reconstruir o vínculo afetivo com a pessoa que morreu, segundo Huang.

“Uma forma adequada de vivenciar o luto é permitir que todos os sentimentos sejam vividos. Muitas vezes as pessoas acham que não podem sentir raiva de quem se foi, mas esse é um sentimento que faz parte. É importante que sejam legitimados e validados”, explica.

O luto tem sido estudado há séculos por inúmeras áreas: psiquiatria, psicanálise, psicologia, sociologia, antropologia e etnologia. Uma teoria comum no debate é a de Elisabeth Kübler-Ross, psiquiatra suíço-americana que dedicou a vida ao assunto.

No final dos anos 1960, Kübler-Ross tentou definir diferentes momentos conhecidos como Os Cinco Estágios do Luto:

  • Negação;
  • Raiva;
  • Negociação/barganha;
  • Depressão;
  • Aceitação.

Essas etapas podem ser utilizadas em uma situação de morte de uma pessoa próxima ou em outros momentos, como uma demissão ou o fim de um casamento. 

Negação 

Em um primeiro momento, a pessoa pode evitar pensar sobre a morte de um ente querido, se isolar para não falar sobre o assunto e ignorar o impacto da perda. Esse período de negação pode se transformar em inconformismo em relação ao que aconteceu.

Raiva

A raiva costuma surgir para tentar resolver essa situação, que pode chegar até a criação de fantasias para lidar com a dor. 

Negociação ou barganha

Outra etapa é a negociação, em que a pessoa pode tentar reverter o processo com base nas suas crenças. 

Depressão

Ao entender que a morte não é reversível, a pessoa se volta para o momento da perda, sentindo todas as emoções reprimidas e a tristeza profunda pela partida.

Aceitação

Por fim, ao percorrer todo esse processo, a pessoa tende a entender e aceitar a morte. 

Essas fases, no entanto, não são lineares. Não é como se a pessoa partisse da negação à aceitação e, ao chegar lá, permaneceria. Também não é regra que cada um passe por todas as etapas – elas podem ser puladas. 

“São cinco fases e as pessoas passeiam entre elas. Vamos para uma, voltamos por algumas horas em outra e partimos para uma terceira. Não é algo ordenado. Nós transitamos entre elas de forma bem fluida”, explica Huang. 

É possível superar ou lidar com a morte?

Quando falamos em luto, é comum associarmos a verbos como “lidar” ou “superar”, mas essas não são as melhores expressões. 

“Não existe essa lógica de superar e nem de ficar lidando com o luto porque são fases que vão se mesclando. Não é algo que você simplesmente supera, enfrenta ou deixa para trás. Você sempre vai poder acessar aqueles sentimentos e, com a experiência, eles ocupam menos espaço na sua consciência”, explica Witzel. 

De acordo com Huang, o verbo “superar” está muito associado à ideia de deixar para trás – o que não acontece com o luto. Mas, se for usado no sentido de conseguir elaborar a perda e se reorganizar para continuar a viver, a expressão se encaixa melhor. 

“É difícil entender, mas normalmente não queremos apagar as nossas lembranças, mesmo as dolorosas, porque elas são importantes, elas nos fazem ser quem somos, e podemos aprender e crescer com elas. ‘Superar’ pode ser um termo complicado e é preferível substituir por ‘elaborar’. É como se a pessoa fechasse esse capítulo, mas pode voltar a ele às vezes”, explica a psicóloga. {Quem viu o filme Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças pode reconhecer melhor esse sentimento}.

Tempo de luto: existe um período certo?

Nos livros de diagnóstico para a saúde mental, há um limite de tempo para que o luto passe a ser considerado nocivo, complicado ou patológico. Esse período, no entanto, varia conforme os autores, e pode ser de dois, seis meses a até dois anos. 

Por essa variação, os profissionais de saúde não levam em consideração só o tempo de sofrimento, mas também a gravidade dele. “Tem pessoas que vão ficar em luto não complicado para sempre, e isso não quer dizer que elas tenham algum problema maior”, lembra Witzel. 

Para ser considerado um luto nocivo ou complicado, o profissional de saúde avalia os sintomas e o nível de gravidade, além do tempo. “O luto não é considerado uma doença, mas pode ser um fator de risco para desenvolver um quadro depressivo, por exemplo, nos casos de luto patológico. Uma pessoa que perde alguém e entra em um quadro patológico, se depois de 10 meses não houver melhora, pode desencadear uma depressão, por exemplo”, explica a psicóloga. 

Outro sinal importante é a dificuldade da pessoa em reorganizar a própria vida. “Isso não significa voltar a fazer tudo igual fazia antes, mas voltar a ter relações sociais e trabalhar, ter projetos e interesses. O luto continua doendo, mas a pessoa aprende a viver sem aquela pessoa”, afirma Huang.  

Como acolher alguém em luto?

Existem diferentes maneiras de elaborar o luto – e nem todas são as ideais. Se a pessoa se machuca ou prejudica quem está próximo, o luto não está sendo abordado da forma mais saudável. 

“O fato de a pessoa se sentir triste, sentir falta, querer falar sobre ou pensar frequentemente ou até guardar objetos ou querer ver itens da pessoa que partiu, nada disso significa um luto complicado. Entrar em contato com quem partiu é um tanto quanto necessário para que a pessoa elabore aquele luto”, explica Witzel. 

E quem estiver perto, o que pode fazer? O primeiro passo é lembrar que “dor dividida é dor diminuída”, segundo Huang. 

“A gente não precisa falar algo ou tentar fazer a dor da pessoa ir embora, porque ela precisa elaborar aquilo. Nós não lidamos muito bem com a dor do outro, mas é importante dar espaço e ser empático. Falar coisas como ‘não consigo imaginar o que você está passando’ pode ser mais valioso do que ‘bola para frente, a vida não pode parar’”, explica Huang. 

Vale também lembrar que, embora os meses passem, aquela pessoa pode precisar de um ouvido amigo mesmo tempos depois. “É legal checar com a pessoa, especialmente depois de um tempo, porque em geral a gente para de ver se a pessoa está bem”, completa.

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