Dos dias passados inteiramente de pijamas à necessidade de tirar os jeans do armário para ir até a esquina e perceber se ainda lhe servem. Das infinitas reuniões via Zoom para alguns cafés presenciais, ainda com a máscara no rosto e apenas uma vez por semana. De pauta única – e principal! – de qualquer conversa para a necessidade absoluta de silenciar as notícias e respirar, literalmente, com um pouco de distanciamento.
O avanço da vacinação em diversas cidades do Brasil tem nos obrigado a entender o “novo normal” como uma possibilidade de vida híbrida. É um misto de otimismo e esperança ao ver a pandemia de covid-19 entrar em uma fase de maior controle em diversos países, mas também de inúmeras incertezas diante das novas variantes do coronavírus e as infecções decorrentes delas.
A pandemia não acabou e segue cobrando da população medidas de cuidado, como evitar aglomerações e manter o uso de equipamentos de proteção. Mas a fase de reabertura das cidades e serviços tem impulsionado o desejo de vivenciar uma certa retomada das atividades que marcavam nosso cotidiano antes de a covid-19 entrar na nossa vida.
Como seres humanos, essa nova realidade nos exige adaptação, paciência e flexibilidade. Mas para algumas pessoas ela não vem sem prejuízos: o tempo passado em isolamento social causou uma certa “atrofia” em nossos músculos sociais, e só pensar em uma reunião presencial com um pouco mais de pessoas, para alguns, já é motivo de ansiedade.
Os meses em isolamento e os reflexos em nossa saúde mental
A necessidade do distanciamento social como estratégia para conter a disseminação do coronavírus fez com que muitas pessoas precisassem se ajustar a um novo nível de interação social. Para algumas, o período diminuiu questões como o FOMO (“Fear of Missing Out”, ou “medo de estar perdendo algo” em tradução literal). Para outras, a solidão abriu espaço para uma tristeza profunda.
“Nós fomos surpreendidos pela pandemia. Foi uma mudança muito brusca na nossa forma de viver e tem durado por muitos meses. O medo em relação ao vírus e à doença é real, mas além disso existe todo o impacto que o isolamento causou em nossa rotina, em nossa convivência e na nossa socialização”, explica Jainan Barretto, psicóloga da Alice.
Alguns relacionamentos se deterioraram com a convivência ininterrupta sob o mesmo teto. Já outras relações nem sequer sobreviveram, uma vez que dependiam de um determinado contexto para existir.
O fato é que passamos a nos preocupar diariamente com os nossos entes queridos, e mais: com a nossa situação financeira e com o nosso futuro como sociedade.
“É uma série de camadas muito complexas que estamos acessando agora, e é normal que a gente tenha reflexos disso no nosso emocional. Não dá pra fingir que nada aconteceu”, explica a psicóloga.
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Ansiedade pós-pandemia e atrofia social
E é justamente por não sabermos ao certo por quanto tempo vamos conviver com a presença do vírus que algumas pessoas têm relatado sintomas de ansiedade, angústia, medo exacerbado e picos de estresse com a possibilidade da retomada da socialização.
“Presenciamos um aumento de casos de pessoas com depressão, ansiedade, estresse pós-traumático, pânico. Nunca se falou tanto de saúde mental. Mas na verdade essas questões sempre existiram, só que o momento estressante que a gente está vivendo trouxe isso à tona e fez que a gente precisasse falar abertamente sobre as nossas dificuldades”, avalia a psicóloga.
Ao mesmo tempo em que desejamos o convívio com outras pessoas e sentimos falta das nossas relações, a insegurança em relação à possibilidade de contágio traz certo receio em deixarmos a rotina que foi construída nos meses dentro de casa.
Esse medo, de acordo com a especialista, está diretamente ligado à nossa angústia em ter que abrir mão de algum controle, ou seja, daquilo que entendemos como a nossa zona segura.
“Foi preciso muita energia para fazermos da nossa casa o nosso espaço seguro. O ambiente restrito foi compreendido como o nosso maior fator protetivo e sair daquilo que eu estipulei como a minha zona segura vai causar muito desconforto”, ela explica.
A ansiedade surge exatamente daí. O ser humano precisa da ideia de que consegue delimitar o que está ao seu alcance. Mas a pandemia inverteu essa lógica de que temos algum controle. Por algum tempo, a gente não soube exatamente o que iria acontecer. E, a partir disso, perdemos a referência de como agir.
“Respeitar os protocolos, cuidar de si e cuidar do outro passou, então, a ser a nossa expressão de controle, a forma que encontramos de atuar de algum jeito nessa crise. Por isso é natural que a gente se sinta aflita com a reabertura”, argumenta Barretto.
O que fazer para lidar com tudo isso? De acordo com a psicóloga, precisamos lembrar que somos adaptáveis, mas que isso demanda tempo. “O novo só causa medo porque é desconhecido. Quando eu entro em contato [com o novo], eu passo a me sentir mais confortável com a minha nova realidade.”
Como retomar a socialização de forma segura
O primeiro passo, e o mais importante, é lembrar sempre que não existe uma fórmula mágica, ou uma única maneira, de lidar com essa retomada da socialização.
Com respeito e paciência, aos poucos, vamos entendendo que nem todas as pessoas podem ter a mesma régua de sociabilidade, e que tudo bem não se sentir preparado para esse momento.
Muita coisa mudou, mas permanece a necessidade de cuidarmos da nossa saúde física e mental. Isso significa continuar respeitando os protocolos de segurança e também entender que cada um vai se adaptar a essa nova rotina de uma forma diferente.
4 dicas para trabalhar a atrofia social
1) É preciso ficar atento ao momento e pedir ajuda profissional
Se, por um lado, a ansiedade, o medo e a tristeza são emoções inerentes ao momento em que estamos vivendo, é preciso estar atento ao momento de pedir ajuda profissional. Quando essas emoções se tornam complexas demais ou passam a afetar a nossa rotina, não hesite em procurar ajuda.
2) Atenção aos sinais de alerta
Respeitar as nossas questões e as dos outros significa ter atenção aos nossos sinais de alerta, como os nossos pensamentos disfuncionais (aqueles que nos levam para cenários catastróficos e depreciativos), bem como evitar fazer julgamento do outro (se a gente está falando de respeito, precisamos entender o ritmo de cada um e a mudança que cada um viveu).
3) Pense em acolher mais e punir menos
Precisamos estabelecer conversas assertivas e não ter medo de expressar os nossos limites. Da mesma forma, temos que procurar entender o jeito do outro de lidar com essa readaptação. É sobre acolher mais e punir menos as atitudes diferentes das suas, desde que isso não te cause sofrimento.
4) Construa pequenas Âncoras
Entenda o seu momento e enfrente os seus limites da mesma maneira. Vá com calma, mas tenha claro que é preciso enfrentar certas situações e, sobretudo, tentar trazer um olhar mais racional em relação às emoções.
Para isso, construa pequenas “âncoras” ao imaginar como seria a sua vida fora do isolamento social: prefira encontros ao ar livre; mantenha sempre o uso de máscaras; faça caminhadas sozinho ou acompanhado; se achar necessário, estabeleça quantidade de tempo fora de casa; não tenha medo de negar convites ou encontros e vá retomando as suas atividades aos poucos.
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