De Sócrates a Alexandre, o Grande; da Mesopotâmia à Antiguidade dos gregos e romanos. Desde que o mundo é mundo, muito se tem discutido sobre o comportamento sexual dos seres humanos.
Seja por meio de rituais de guerra, na Grécia dos séculos XII a IX a.C, ou até mesmo entendido como um rito de adoração por meio da mitologia, o conceito de homossexualidade não existia para os povos antigos; era apenas um dos comportamentos que refletiam as suas crenças e hábitos em comunidade.
De lá para cá, muita coisa mudou. Seja do ponto de vista histórico, sociológico e até mesmo biológico, a relação entre pessoas do mesmo sexo é objeto de diversas teorias que são revisitadas com o passar dos anos, em consequência da evolução da sociedade e também do amadurecimento das conquistas dos direitos civis por minorias historicamente sub-representadas.
Em abril de 2021, esse debate voltou à tona após a deputada estadual Marta Costa (PSD) colocar em pauta na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) o Projeto de Lei 504/2020, que quer proibir a presença de pessoas LGBTQIA+ ou de famílias homoafetivas em publicidades para crianças.
De acordo com a autora do PL, o conteúdo das propagandas traria “desconforto emocional” a inúmeras famílias, e o objetivo do projeto de lei seria limitar a circulação de publicidades que incentivem as tais “práticas danosas”.
Alguns juristas classificam de inconstitucional o PL 504/2020 porque cabe apenas à União legislar sobre propaganda comercial e não aos Estados. O texto, apoiado por grupos evangélicos, é visto como preconceituoso por movimentos sociais, marcas e agências de publicidade.
A seguir, a gente explica melhor por que proibir a diversidade sexual na publicidade é algo obsoleto, inclusive para o entendimento atual da Ciência.
O PL 504/2020 estimula a LGBTfobia ao usar expressões obsoletas
Segundo os estudos sobre sexualidade, a orientação sexual é entendida como a identidade atribuída a um indivíduo de acordo com os seus desejos e condutas sexuais.
As expressões “opção sexual” e “preferência sexual” são incorretas, afinal, ninguém “opta” ou “escolhe”, conscientemente, a sua orientação sexual.
O que acontece, na realidade, é que um conjunto de fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais influencia para uma ou outra orientação.
Assim como a heterossexualidade, a homossexualidade é uma orientação que é movida por nossa atração a um determinado sexo, e não uma “opção”.
O uso de expressões incorretas e preconceituosas do PL reforça a discriminação contra pessoas LGBTQIA+.
O PL 504/2020 induz à mentalidade de patologizar a sexualidade, algo que já foi superado há décadas
O texto do projeto de lei associa a representação da homossexualidade em propagandas a uma “prática danosa” e “não adequada” que causa “desconforto emocional”.
Tal interpretação remete à ideia de que uma orientação sexual diferente da heterossexual deveria ser combatida. E para entender a origem desse pensamento, é preciso fazer uma breve análise histórica.
Na década de 1940, a atração sexual por pessoas do mesmo sexo foi considerada como um “desvio” ou “transtorno patológico” pelo CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças), sendo um comportamento comparado a transtornos como a pedofilia, por exemplo.
Ao longo dos anos, os movimentos civis construíram mudanças essenciais para que a sociedade superasse a discriminação de gays, lésbicas e bissexuais. Assim, a orientação sexual começou a ser entendida como a identidade sexual de uma pessoa, e não uma doença.
O primeiro movimento nesse sentido aconteceu em 1973, quando a Associação Psiquiátrica Americana mudou o seu manual de desordens psiquiátricas para retirar homossexualidade, que passou a ser entendida como uma “perturbação de orientação sexual”.
Alguns anos depois, em 1985, o comportamento deixou de ser considerado como “desvio sexual” no Brasil, e o Conselho Federal de Medicina (CFM) comunicou aos médicos, sobretudo psiquiatras, que a homossexualidade não poderia ser considerada um diagnóstico.
A grande virada da compreensão, e aceitação, da atração entre pessoas do mesmo sexo ocorreu em maio de 1990, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou “homossexualismo” da lista oficial de distúrbios mentais do CID.
A partir dessa data, três anos depois, o sufixo “ismo”, que remete à doenças, foi completamente substituído pelo sufixo “dade”, cujo significado é vivência ou prática, trazendo todo um novo significado para o entendimento do tema.
No Brasil, os LGBTQIA+ representam apenas 1,3% das personagens e protagonistas de publicidades. O dado de 2020 é da 9º Pesquisa Todxs, que tem como objetivo acompanhar a representatividade desses grupos nos conteúdos de comerciais que são veiculados no País. O estudo é desenvolvido desde 2015 pela ONU Mulheres e pela Heads Propaganda.
Ao propor a proibição da representação dos LGBTQIA+, o PL não só colabora para o apagamento dessa parcela da população nas mídias, como também ignora os efeitos nocivos dessa marginalização na saúde mental das pessoas.
Leia mais: Como a homofobia na família afeta saúde mental de LGBTs?
O PL 504/2020 ignora que a homossexualidade é tão complexa quanto a heterossexualidade do ponto de vista genético
O maior estudo já publicado sobre a genética do comportamento sexual demonstrou que a homossexualidade não é determinada por um gene específico. Ao contrário: existem cinco variantes genéticas que estão relacionadas ao comportamento homossexual.
Porém, ao somarmos os seus efeitos individuais, essas variantes genéticas explicam menos de 1% do comportamento sexual de quem é atraído por pessoas do mesmo sexo. Ou seja: o caldo é bem mais complexo do que apenas identificar uma única “causa raiz”.
A pesquisa, considerada uma das mais importantes sobre o tema, avaliou o genoma de cerca de 500.000 pessoas e foi publicada pela revista Science em agosto de 2019.
De acordo com o estudo, assim como a maioria dos traços da personalidade de um indivíduo, o comportamento sexual é algo complexo de prever, uma vez que é resultado de uma mistura de fatores genéticos e ambientais.
Do ponto de vista do DNA, por exemplo, não existe um “gene gay” capaz de definir se uma pessoa será homossexual, heterossexual ou bissexual.
Outras pesquisas anteriores já haviam demonstrado que a herança genética influencia no comportamento sexual dos seres humanos hétero ou homossexuais, e os geneticistas estimam que essa influência seja de 8% até 25%.
Há outros fatores, como a exposição hormonal incomum de bebês ainda no útero, que também são capazes de afetar a sexualidade.
Mas a realidade é que cada vez mais a compreensão científica afasta a visão binária do comportamento sexual, uma vez que existe uma diversidade de orientações sexuais entre os seres humanos, e, biologicamente falando, a homossexualidade é um comportamento tão natural quanto a heterossexualidade.
O PL 504/2020 esquece que mais representatividade significa mais tolerância, saúde mental e acolhimento – inclusive para as crianças
Pesquisas indicam que há uma relação clara entre as representações positivas de LGBTQIA+ na mídia e o fortalecimento do amor próprio e da autoestima desses indivíduos.
Um estudo publicado no Journal of Homosexuality demonstra que a maior representação positiva de LGBTQIA+ é um primeiro passo no sentido de reduzir o preconceito social contra essas pessoas.
Outro artigo, publicado no Journal of Youth and Adolescence, argumenta que representações limitadas na televisão tendem a fortalecer os vieses em relação aos papéis de gênero que devem ser desempenhados por homens e mulheres.
Essa constatação indica a responsabilidade que a mídia tem em construir representações que vão além dos estereótipos preconceituosos da homossexualidade, por exemplo.
Na direção oposta, pesquisadores americanos investigaram a prevalência de transtornos como a ansiedade e a depressão na população LGBTQIA+, que em casos mais graves pode ocasionar ao suícidio.
O termo “minority stress” (ou estresse das minorias, em tradução livre), é utilizado para analisar os efeitos da heteronormatividade e da homofobia na saúde de pessoas LGBTQIA+.
No Brasil, os LGBTQIA+ representam apenas 1,3% das personagens e protagonistas de publicidades. O dado de 2020 é da 9º Pesquisa Todxs, que tem como objetivo acompanhar a representatividade desses grupos nos conteúdos de comerciais que são veiculados no País.
O estudo é desenvolvido desde 2015 pela ONU Mulheres e pela Heads Propaganda.
Ao propor a proibição da representação dos LGBTQIA+, o PL não só colabora para o apagamento dessa parcela da população nas mídias, como também ignora os efeitos nocivos dessa marginalização na saúde mental das pessoas.
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