A síndrome de burnout não acontece da noite para o dia. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), trata-se de um “fenômeno ocupacional” causado pelo “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”.
Isso significa que, antes de chegar neste ponto, a pessoa colaboradora passou por um processo.
E casos assim não são raros. Em 2018, antes mesmo da pandemia, o esgotamento profissional atingia 30% dos trabalhadores brasileiros, de acordo com os dados da International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR).
Como o RH e as lideranças podem identificar o burnout no trabalho? Como ir além e enxergar os sinais antes do fenômeno se instalar?
Quais são os sintomas do burnout?
De acordo com a psicóloga Lais Fontes, da Alice, os sinais mais tangíveis e perceptíveis do burnout são:
- Irritabilidade;
- Alterações de humor repentinas;
- Negatividade;
- Apatia;
- Distanciamento de familiares, amigos e hobbies;
- Agressividade;
- Falta de paciência;
- Ceticismo;
- Falta de interesse;
- Preocupação excessiva com o trabalho;
- Improdutividade.
“Algumas pessoas se mostram mais irritadas e reativas. Por exemplo, enquanto você tenta engajar uma conversa, ela te corta antes de você terminar a frase. Outras desenvolvem apatia, deixam de participar ativamente das reuniões (mesmo remotamente)”, explica Luiz Edmundo Rosa, psicólogo e diretor de Desenvolvimento de Pessoas da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Brasil).
Junta-se à lista a falta de ânimo, aparência de cansaço, perda de memória e sonolência — afinal, pessoas às vias do esgotamento sentem dificuldades de relaxar nos períodos de descanso.
De acordo com Rosa, indivíduos próximos do burnout têm no organismo níveis altos de cortisol, o hormônio do estresse. “Ele é responsável por vários desses sintomas, assim como queda de cabelo e sudorese excessiva. Sabe quando a pessoa fica se abanando, enxugando a testa e suspirando? São sinais que as lideranças devem se atentar.”
Procrastinar, ter dificuldades em prestar atenção, engajar pouco com a equipe e deixar escapar frases típicas de quem tem síndrome do impostor, como “não sei se vou conseguir fazer isso”, são outros sinais de alerta.
“A vida social começa a ficar praticamente inexistente e, quando ela acontece, muitas vezes é relacionada à válvulas de escape, como álcool. Essa fase é uma das mais importantes para caracterizar a síndrome”, explica Fontes.
Enquanto estes são sinais externos (e podem ser percebidos pelos outros), internamente a pessoa pode estar experimentando os seguintes sintomas:
- Negligência das próprias necessidades;
- Sensação de fracasso e insegurança;
- Satisfação apenas com conquistas profissionais;
- Sentimento de vazio interior;
- Dificuldade em ver perspectiva no futuro;
- Exaustão, com a sensação de que se está indo além dos limites, sem recursos físicos ou emocionais para lidar com as situações;
- Ineficácia;
- Sensação de incompetência.
Burnout no setor financeiro
Dados da Isma-BR, publicados pelo jornal O Estado de S. Paulo em 2021, apontam que, no Brasil, os profissionais do setor financeiro ocupam o terceiro lugar no ranking da incidência de burnout.
Eles perdem apenas para trabalhadores em segurança, que ficam na primeira posição, e para controladores de voo e motoristas de ônibus urbano, empatados em segundo.
Os profissionais entrevistados pelo jornal apontavam uma dificuldade de dizer “não” para seus clientes, mesmo que os pedidos de movimentações e aconselhamentos chegassem depois das 23h.
“Nestes contextos, a pessoa tende a não conseguir enxergar com clareza seus próprios valores”, diz a psicóloga.
No início de 2021, uma pesquisa interna de um grande banco de investimentos revelou que seus analistas estavam trabalhando, em média, 98 horas por semana (mais de 19 horas por dia). Em uma escala de zero a 10, eles avaliavam seu bem-estar como 2,8.
Burnout no setor de tecnologia
Depois de ouvir mais de 32 mil trabalhadores da área de tech, a pesquisa BurnoutIndex, feita pela plataforma de bem-estar Yerbo em 2021, descobriu que dois em cada cinco trabalhadores do setor sofrem grande risco de desenvolver burnout.
As principais causas levantadas foram as longas horas de expediente, cargas horárias extenuantes e conflitos de work-life balance.
Há relatos de pessoas que vão dormir exaustas e ainda acordam cansadas, além daqueles que duvidam de suas habilidades.
Entre os profissionais com alto risco de desenvolver a síndrome, 62% afirmaram que estavam “física e emocionalmente esgotados”.
É burnout ou estresse no trabalho?
Evitar completamente o estresse é difícil mesmo em modelos de trabalho acolhedores. Afinal, ele é uma reação natural do corpo e pode ter inúmeras causas.
Mas, nos casos de estresse, existe a esperança de que a situação vai melhorar.
“Já no burnout, a sensação é de estar enxugando gelo e de completo esgotamento, de estar perdido, imerso no trabalho, sem vislumbrar resoluções ou possíveis desfechos. Isso impossibilita a volta a um ritmo agradável”, explica Fontes.
Outra diferença é que o burnout é causado por situações relacionadas ao trabalho — daí a definição da OMS, que em 2022 oficializou a síndrome como uma doença ocupacional.
O que fazer diante de um caso de burnout na equipe?
Uma vez identificada a síndrome entre um funcionário, é preciso agir rápido.
“Podemos convidar a pessoa para um papo (de preferência ao vivo ou por vídeo) e abordar temas como falta de equilíbrio entre vida profissional e trabalho, gestão de tempo e carga de trabalho”, orienta Fontes.
Ela dá alguns exemplos de formas de abordar:
- “Oi, percebi que você tem trabalhado até tarde, recebi e-mails seus de noite, em que normalmente você já teria parado de trabalhar. O que tem acontecido? Como você tem gerenciado seus horários? Precisa de ajuda com a organização de cronogramas?”.
- “Você é responsável por quais tarefas? Vamos listá-las e ver quem pode te ajudar”.
Quando existe vínculo entre liderança e colaborador, a abordagem é menos complicada — afinal, a pessoa se sentirá mais segura para expor suas dificuldades.
Em situações mais extremas, pode ser interessante dar alguns dias de folga para o funcionário, para que ele tome fôlego, tente se organizar e descansar.
A vida (da empresa) após um esgotamento profissional
Casos de burnout na empresa podem ser lidos como um sinal de alerta para que os processos sejam revistos.
Para Fontes, essa é uma oportunidade para repensar se as cobranças são excessivas, se as metas são alcançáveis, se os prazos dados são realistas e se a forma que os feedbacks são dados não poderia ser aprimorada (o ideal é que os líderes sejam assertivos, sem desrespeito).
Para evitar novos casos, “é fundamental incentivar o bem-estar pessoal, incluindo práticas saudáveis de atividade física, alimentação, lazer e qualidade de sono, valorizando uma cultura de transparência, respeitando o tempo de almoço e intervalos e, sempre que possível, mantendo um canal de diálogo para tentar conversar sobre possíveis mudanças e melhorias que trariam mais bem-estar ao time”, diz Fontes.
Além disso, treinar as lideranças da empresa pode ser um bom caminho. Uma pesquisa de 2015, publicada no jornal científico Mayo Clinic Proceedings, mostrou que pessoas com líderes que tomam as seguintes atitudes têm menor risco de burnout:
- Conversam sobre desenvolvimento de carreira;
- Inspiram para que deem seu melhor;
- Empoderam para que façam seu trabalho;
- Se interessam pela opinião dos liderados;
- Encorajam a sugerir ideias;
- Tratam os funcionários com respeito e dignidade;
- Reconhecem quando um trabalho é bem feito;
- Mantêm os liderados informados sobre as mudanças que estão acontecendo na empresa;
- Encorajam a desenvolver talentos e habilidades.
A empresa também pode criar programas de qualidade de vida no trabalho. “As atividades incluídas vão desde lives e webinars com especialistas até acompanhamento psicológico e nutricional”, explica a psicóloga.
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