“Você já parou para pensar que tudo que você sabe você aprendeu com alguém?”.
A provocação feita por Isadora Kuhn, pediatra na Alice, é o gatilho para pensarmos no nosso papel ao educar crianças. Pais e cuidadores são a referência dos pequenos na forma de se alimentar, se vestir e até na forma de se expressar, de forma quase que automática no dia a dia.
“Quer queiramos ou não estamos sempre ensinando algo às crianças. Se não o fazemos conscientemente, com intenção, fazemos de forma inconsciente, porque elas aprenderão pelo nosso exemplo, pela forma como nós lidamos com determinada situação”, explica Kunh.
Mas e quando falamos das nossas emoções ou as expressamos?
Saber nomear o que estamos sentindo nem sempre é tarefa fácil para nós –imagine então para as crianças! E, de novo, elas aprendem direta ou indiretamente com os adultos tanto o vocabulário emocional quanto o reconhecimento dos nossos sentimentos.
Conversamos com a pediatra sobre a importância de estabelecer um diálogo sobre o que sentimos, ajudando a criança a entender e reconhecer as suas emoções.
Por que é importante falar sobre emoções com as crianças?
Isadora Kuhn, pediatra: As crianças sentem, assim como os adultos, e criam hipóteses para compreender o que estão sentindo. Talvez elas não saibam nomear, mas certamente são capazes de identificar os sinais e perceber como suas ações repercutem no outro.
Literacia emocional [a nossa capacidade de compreender as emoções] deveria ser matéria básica em todas as escolas. Sentir-se tomado por um sentimento e não saber lidar com ele é absolutamente assustador. Precisamos falar sobre raiva, medo, tristeza, inveja, tanto quanto falamos sobre emoções rotuladas como positivas.
Ajudar a criança a entender o que ela está sentindo é o primeiro passo para que ela possa trilhar um caminho para lidar com essa emoção.
Em inglês se diz “name it to tame it”. Em tradução livre, nomear para domar.
Quando a criança desenvolve a habilidade de perceber o que está sentindo, consegue se afastar mais facilmente da emoção. Percebe que é algo que está acontecendo com ela, mas que não a define.
Quando falamos de emoções, é comum rotular os sentimentos como positivos ou negativos. Quais são as diferenças na abordagem entre entre eles para o desenvolvimento infantil?
Essa diferença entre sentimentos positivos e negativos existe e não existe. Explico: em teoria, não deveria haver diferenças, a gente sente o que sente, isso é um fato, e não falar sobre o assunto não impede que as emoções venham até nós, sejam elas consideradas positivas ou negativas.
A chave aqui é lembrar que emoções não devem ser rotuladas como boas e ruins, mas entendidas como sinalizadoras de como você está encarando determinada situação.
Entretanto, as emoções consideradas negativas levam essa fama porque geralmente desencadeiam ações também negativas.
E essa é a diferença: enquanto as emoções consideradas positivas são frequentemente mencionadas e celebradas, as negativas são repreendidas e tratadas como sentimentos dos quais devemos nos envergonhar.
Com as crianças é ainda pior. Com a fama de “seres puros”, torna-se impensável que eles sintam raiva, por exemplo. Mas eles sentem e precisam que isso seja nomeado e validado.
A partir daí, ajudando a criança a identificar o que ela está sentindo, podemos trabalhar estratégias para que esse sentimento não implique em uma ação que a prejudique ou outras pessoas.
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Como podemos orientar pais e cuidadores que possam ter percebido algum tipo de regressão, ainda que transitória, nos desenvolvimento infantil durante o período de privação vivido na pandemia?
Desenvolvimento infantil é um assunto sério e urgente.
Existe uma janela de oportunidade para o tratamento e acompanhamento de questões neste âmbito devido à grande capacidade do cérebro em se adaptar durante a infância.
Com o passar dos anos, essa janela não se fecha, mas sua abertura vai se tornando cada vez menor, por isso é importante intervir o quanto antes.
Além disso, tudo que construímos nos primeiros anos de vida de uma criança servirá de base para tudo que vem depois, então essa base precisa ser sólida.
Dito isso, acredito que todo cuidador que tenha percebido que o período da pandemia e tudo o que vivemos nos últimos meses afetaram de alguma forma uma criança sob sua responsabilidade deve buscar auxílio o mais breve possível.
Buscar ajuda ou aconselhamento é o primeiro passo para reverter os danos causados pelas privações vivenciadas pelas crianças nesse período de pandemia.
Profissionais de diversas áreas, como pediatras, psicólogos e fonoaudiólogos, podem ajudar. Além disso, a escola pode ser uma grande aliada no auxílio dos pais e no desenvolvimento da criança.
Fora a ajuda especializada, existem medidas universais que certamente ajudarão em qualquer cenário: aumentar o contato com a natureza, diminuir ao máximo a exposição às telas, apostar em uma alimentação balanceada e ter um olhar atento ao sono.
Além disso, é fundamental abrir espaço para o diálogo em casa, oferecendo um lugar seguro e de troca.
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As técnicas de meditação, como o mindfulness, são ferramentas para lidar com os nossos pensamentos e emoções. Elas também se aplicam aos pequenos?
Mindfulness é uma técnica de meditação que tem o objetivo de ampliar a capacidade inata do indivíduo de estar plenamente consciente das experiências que ele está vivendo no momento presente, sejam cognitivas, emocionais ou sensoriais.
Entendendo esse conceito, faz todo sentido que as crianças se beneficiem da técnica. Ser capaz de estar no momento presente e tornar-se consciente das experiências emocionais que está vivendo é o primeiro passo para lidar adequadamente com elas.
E já temos comprovação científica de que funciona. Estudos realizados com crianças demonstram que a técnica é benéfica no que diz respeito à saúde mental, com diminuição dos níveis de estresse e ansiedade.
Nessas pesquisas, também foram verificados o aumento da capacidade de resolver conflitos, desenvolver estratégias de luto e de lidar com as próprias emoções. Além disso, no cenário escolar, foi vista melhora da atenção e do comportamento.
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Como adaptar os aprendizados do mindfulness para uma criança?
Tudo com a criança funciona melhor se nos apoiarmos no lúdico.
Então, para começar a introduzir algumas ferramentas, você pode criar jogos simples que a encorajem a se sintonizar com seus sentidos, como descrever o cheiro de uma fruta, fazer uma refeição bem devagar e prestar atenção em todos os detalhes do prato, fechar os olhos e prestar atenção em tudo que ela está ouvindo.
Outra forma de tornar o mindfulness uma brincadeira é convidar a criança a prestar atenção em algum local e depois, longe dele, recordar algumas coisas que ela viu por lá.
Práticas de respiração também podem ajudar, como a “respiração do ursinho”, que é quando você pede para criança deitar e colocar um bicho de pelúcia na barriga e observar o movimento que ela faz quando respira.
Para crianças mais velhas, você pode ensinar a “respiração quadrada”, que consiste em você respirar lentamente pelo nariz contando até quatro, em seguida, você faz uma pausa por 4 segundos, expira o ar pela boca contando e pausa por mais 4 segundos.
Além disso, existem diversos áudios de meditações guiadas nas plataformas de streaming, muitas delas direcionadas para o público infantil. Livros também são uma superideia para introduzir o tema. No fim das contas é sobre se entregar ao momento e se divertir.
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