Qual é a hora certa de ter filhos, para quem quer tê-los, é uma das famosas perguntas de 1 milhão de dólares, feitas por muitas pessoas e sem uma única resposta certa.
Embora biologicamente seja recomendado que a primeira gestação da mulher ocorra até seus 35 anos de idade, sabemos que há outros fatores em jogo na hora de se decidir sobre ter um filho (seja biológico ou por adoção), como questões sociais, financeiras e emocionais.
“A hora certa é a hora em que o casal acha que está preparado para isso, tendo em vista que um bebê vai mudar completamente a estrutura familiar”, afirma a ginecologista Adriana Gomes Luz, Secretária da Comissão Nacional de Assistência Pré-Natal da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Como se sentir preparado(a) para planejar uma gravidez?
A palavra estabilidade muitas vezes é a primeira que vem à mente ao pensarmos no planejamento de filhos.
“As pessoas associam de cara à estabilidade financeira, quando na verdade essa é uma questão muito mais abrangente. Trata-se de uma estabilidade também psicológica, social, de contexto e de suporte”, explica Stephanie Witzel, neuropsicóloga da Alice.
Assim, além dos pontos mais práticos, ela lista outras reflexões para ajudar o casal:
Suporte social
Costuma-se atribuir muita responsabilidade à mãe, mas ela precisa mais do que o suporte do pai da criança. A puérpera precisa de alguém a quem possa recorrer, porque essa é uma fase de muita privação de sono e esgotamento
Disponibilidade emocional
O casal precisa refletir sobre a inclusão de mais uma pessoa na dinâmica familiar. “Nesse caso, ajuda muito a pessoa refletir sobre as experiências que ela já teve em relação à maternidade ou paternidade, seja nas relações com os próprios pais, mas também como se enxerga no papel de mãe e pai, fazendo uma projeção mesmo”, diz Witzel
Estabilidade clínica
Fazer um check-up da saúde física e psicológica.
Comunicação e conciliação
Como fazer quando uma ponta do casal não se diz pronta para ter filhos? Segundo Witzel, o segredo é “fazer concessões e chegar a meios termos”
“Cada um tem que explicitar para o outro seus pontos de vista e expectativas de forma bem honesta com o que sentem. Isso sem um lado impor e acusar o outro. E aí chegar a concessões e entender as expectativas.” E, segundo ela, quanto antes houver essa conversa no relacionamento, melhor.
Dica para quem está na dúvida sobre ter filhos
Uma sugestão de Witzel para quem oscila de opinião é anotar todos os dias: “Hoje eu quero ou hoje eu não quero?” Ao fazer esse registro durante um tempo, dá para ter uma avaliação mais objetiva: quantos dias eu quis? Quantos eu não quis? O que está “ganhando”? Isso ajuda a tomar a decisão.
“A verdade é que não tem um momento certo. Já vi gente super jovem que se sente preparada, porque tem suporte, condição financeira mais estável, local para morar, e pode tomar essa decisão mais cedo – e não há nada de errado nisso. Assim como vemos uma tendência muito grande atualmente a demorar mais pra ter filhos”, ela conclui.
O que explica a tendência em adiar a decisão de ter filhos?
Dados do Ministério da Saúde apontam que, em 2019, o número de mulheres que deram à luz entre os 35 e os 39 anos havia aumentado 71% nos últimos 20 anos no Brasil, enquanto o número de nascimentos de bebês de mães que tinham de 20 a 29 anos caiu 15%, segundo levantamento feito pela Folha de S.Paulo.
Nos Estados Unidos, a média de idade da primeira gestação de uma mulher saltou de 21 para 25 anos dos anos 1970 para a década de 2010, período que também registrou um aumento expressivo em mães com mais de 35 anos.
Mas, se a gestação da mulher jovem é mais saudável para mãe e bebê, por que essa decisão tem sido cada vez mais postergada?
Um estudo conduzido pelo Departamento de Pediatria e Saúde Materna do Hospital Universitário de Siena, na Itália, e publicado no “Journal of Family and Reproductive Health” em 2016, concluiu que, além da decisão pessoal (como ter outras prioridades no momento ou esperar um maior amadurecimento emocional), há fatores externos que explicam por que a escolha às vezes não é voluntária.
Os pesquisadores listam condições sociais que “desencorajam” a parentalidade, como questões financeiras (que incluem estabilidade no trabalho e dificuldade para obter licenças maternidade e paternidade), demora em encontrar o parceiro adequado e taxas altas de divórcios, que dão origem a segundos (e tardios) casamentos.
Eles concluem que é necessário estabelecer políticas públicas para favorecer a decisão de casais que queiram ter filhos mais jovens, além de tirar o atual estigma de uma gestação com 20 e poucos anos.
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Quais os riscos de uma gestação tardia?
Em teoria, a mulher pode ter um bebê durante todo o seu período fértil, que é quando ela produz os óvulos a serem fecundados. Ou seja, desde a puberdade, quando começa a menstruação, até a menopausa, quando seus ovários param de funcionar, explica Lívia Ces Guedes Pereira, médica da Alice e especializada em medicina de família e comunidade, formada na Escola de Medicina da USP de Ribeirão Preto (SP).
No entanto, na prática, já se sabe que muitas fases da vida reprodutiva da mulher trazem riscos. A gravidez na adolescência, por exemplo, é desaconselhada. Há risco tanto para as mães como para os recém-nascidos, e existem evidências da repercussão negativa nos índices de evasão escolar, de menor chance de qualificação profissional e de dependência financeira da família.
Para as mulheres mais velhas, há não só a dificuldade em engravidar como também um maior risco de aborto espontâneo e de desenvolvimento de hipertensão e diabetes gestacional, por exemplo, assim como malformações do feto, diz Pereira.
Isso acontece porque a mulher já nasce com um reservatório pré-definido de óvulos. Ao longo da vida, os melhores deles serão selecionados pelo corpo para que sejam liberados e eventualmente fecundados. No final da vida fértil, portanto, com o estoque já acabando, a chance de ter óvulos viáveis e de qualidade diminui.
“Oriento que é possível ter uma gestação em qualquer momento da vida fértil, mas precisamos conhecer os riscos para calibrar as expectativas e saber como cuidar em cada fase”, explica Pereira.
O homem, por sua vez, produz espermatozoides ao longo da vida toda, mas alguns fatores também podem fazer com que a qualidade deles caia e surjam algumas alterações genéticas na criança, a exemplo de casos de nanismo.
Tais fatores são o avançar da idade e o uso crônico de medicamentos para hipertensão ou problemas cardíacos, além de hábitos alimentares, tabagismo e consumo excessivo de álcool, explica a ginecologista Adriana Gomes Luz, da Febrasgo.
Congelamento de óvulos e reprodução assistida
A medicina moderna já oferece recursos para adiar a gravidez, como o congelamento de óvulos, que deve ser feito com até 30 e poucos anos, e a fertilização in vitro (FIV), mas ambas as técnicas têm alto custo e podem ser desgastantes para a mulher.
“Engravidar da forma natural é o ideal. Oriento minhas pacientes que, se elas têm o desejo e um parceiro, o ideal é aproveitar a juventude para engravidar naturalmente”, diz Gomes Luz, que lembra ainda que o congelamento de óvulos não é uma garantia total para uma gestação viável.
“Apesar de haver técnicas muito avançadas, pode não dar certo. Além disso, toda fertilização assistida pode acoplar riscos, a exemplo de uma gestação de gêmeos, que é uma gravidez de risco”, conclui.
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