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Outubro Rosa mais inclusivo: o cuidado para além da mama cis

Outubro Rosa mais inclusivo: o cuidado para além da mama cis

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O câncer de mama é o protagonista dos debates de saúde do Outubro Rosa. Uma causa legítima: esse tipo de tumor é o mais recorrente entre as mulheres, com risco estimado de 61,61 casos novos a cada 100 mil brasileiras, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer. 

A data atrai as mulheres para compreender o valor da saúde, fazer o check-up de outras condições e até reverter o estresse emocional que é passar por diferentes procedimentos, muitas vezes desnecessários, e biópsias potencialmente invasivas. 

Porém, as campanhas, mensagens de conscientização e os próprios serviços de saúde seguem uma comunicação e uma prática cisnormativas – focada em pessoas cisgênero.

Segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), as populações transgênero e não-binária não se sentem representadas no acolhimento, rastreamento e, especialmente, na coordenação do cuidado de saúde – que vai além do câncer de mama. 

A mastologista e ginecologista Natália Cordeiro, da comunidade de saúde da Alice e do Ambulatório de Mastologia voltado para Pessoas Transgênero da Unifesp, aponta como o impacto das campanhas de Outubro Rosa é sentido dentro do consultório. 

“As mamas são parte da afirmação de gênero; seja para um homem ou mulher trans, a região tem um significado profundo. É preciso encontrar um caminho para que o cuidado chegue até as pessoas e que vá além da afirmação. Que haja cuidado a longo prazo, a prevenção de doenças ou até mesmo contra métodos inseguros como a aplicação de silicone industrial”, destaca a mastologista.  

A dificuldade das pessoas trans no cuidado à saúde de modo geral não é exclusiva do Brasil. 

Em artigo publicado em julho de 2021, a revista científica JAMA alerta para a vulnerabilidade e insegurança de jovens trans no acesso a serviços de saúde, o que culmina com o aumento de intervenções inseguras e que podem prejudicar a saúde. 

Para entender mais

  • Transgênero (trans) é a pessoa que não se identifica com o gênero que lhe foi atribuído ao nascer. 
  • Não-binária é uma pessoa que não se identifica com identidade de gênero masculino ou feminino.
  • Cisgênero (cis) é a pessoa que se identifica, em todos os aspectos, com o seu gênero de nascimento.
  • Cisnormativo é um termo utilizado quando se coloca os gêneros cis em uma posição privilegiada.

A importância da atenção primária para pessoas trans

Pesquisa publicada no The Lancet em 2021 ressalta que o cuidado a pessoas trans precisa ser mais inclusivo e representativo. 

Pesquisadores da Holanda acompanharam, por quase cinco décadas, pessoas transgênero que receberam tratamento hormonal. O objetivo era medir a mortalidade pelo uso de hormônios. Contudo, os resultados tomaram outro caminho.

O que os cientistas descobriram é que o risco de morte entre pessoas trans é o dobro do que entre as cisgênero por doenças cardiovasculares, suicídio, doenças relacionadas ao HIV, entre outras. Todas essas causas de morte poderiam ser evitadas com um maior acesso à atenção primária de saúde.

De acordo com uma pesquisa das Nações Unidas, realizada em sete capitais brasileiras, 31,9% das pessoas trans relataram ter vivido alguma situação ruim com algum profissional de saúde. 

O enfermeiro da Alice João Bragiola estudou as barreiras de acesso da pessoa trans na atenção básica. Apesar dos gargalos no sistema de saúde, ele defende que simples atitudes de enfermeiros e outros profissionais de saúde podem melhorar o acolhimento. 

“A escuta empática e conversar sobre as necessidades de saúde de um indivíduo são fatores primordiais para qualquer acolhimento em saúde, mas para a inclusão é preciso fazer mais. É preciso criar um lugar seguro”, argumenta.

De acordo com Bragiola, banheiro unissex, uso do nome social e acolhimento sem juízo de valor são fatores que favorecem a promoção à saúde das pessoas trans. 

A prática de um acolhimento inclusivo contribui com um atendimento totalmente focado nas necessidades da pessoa, promovendo sua saúde.

Rastreamento do câncer de mama na comunidade trans

A literatura científica não tem um protocolo de rastreamento e prevenção do câncer de mama para a comunidade transexual. Há hipóteses e protocolos adaptados de caráter experimental e regionalizado, que visam acolher o público transgênero e suas condições de saúde. 

Um estudo realizado pela University Medical Center, na Holanda, com mais de 2.260 mulheres trans, demonstrou que há um risco maior de que mulheres trans, após tratamento hormonal, tenham a longo prazo risco de câncer de mama em comparação à população masculina cisgênero. 

A mastologista Natália Cordeiro explica que esse é um processo a longo prazo e não um efeito colateral da terapia de hormônio. 

“O que acontece é que após dois anos de terapia, a mulher transexual desenvolve uma quantidade de tecido mamário similar à de uma mulher cisgênero. Tendo esse tecido, é comum que esse risco aumente em comparação a um homem cisgênero.”

Cordeiro complementa que os estudos iniciais apontam que após cinco anos de uso da terapia hormonal, a mulher trans deve seguir o acompanhamento de rastreamento de acordo com os protocolos de saúde da atenção básica, como exame físico da mama, ultrassonografia e exame de mamografia, de acordo com a idade. 

O mesmo estudo realizado pela University Medical Center também avaliou a saúde de 1.229 homens trans e demostrou que a média de casos de câncer foi menor em comparação às mulheres cisgênero. 

A mastologista explica que o menor risco em homens trans está associado à mastectomia, porém a retirada de mamas não é fator de exclusão para manter a prevenção. 

“A ausência de tecido mamário cria uma hipótese de que o câncer de mama seja menos incidente; por esse motivo, a neoplasia é rara em homens cis, mas os estudos ainda são iniciais na população trans.”

Uso de binder

O binder, faixa ou colete que deixa a aparência do peito liso, é um acessório utilizado há mais de uma década por pessoas em processo de transição ou que não se sentem confortáveis com suas mamas.  

Médicos relatam os benefícios do uso do binder, como o potencial de aumentar autoestima, diminuir a taxa de suicídio e violência. 

Contudo, para minimizar os riscos físicos, é importante o uso do material adequado e dar descanso para as mamas para evitar complicações. 

“Os benefícios do binder são maiores do que os riscos. Porém, não é indicado o uso de fita crepe e esparadrapo. E, também, tenha consciência da quantidade de horas para intercalar os descansos”, frisa a mastologista. 

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