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Cadê a pílula anticoncepcional masculina?

Entenda por que ainda não existem mais métodos contraceptivos masculinos além da camisinha e da vasectomia.

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Em agosto de 1960, a FDA (a agência sanitária dos EUA, que tem papel semelhante ao da nossa Anvisa) aprovou a primeira pílula anticoncepcional feminina, que revolucionaria de forma definitiva a vida sexual e o processo de emancipação das mulheres.

Por ser considerada altamente eficaz (quase 99% de sucesso) e simples de ser usada, a pílula passou a ser amplamente usada ao redor do mundo. No Brasil, aliás, é o método mais adotado pelas mulheres.

E as mulheres têm ainda muitas outras opções para prevenir gestações, como o DIU (dispositivo intrauterino), o implante hormonal, o diafragma, o anel vaginal, a camisinha feminina e até os métodos mais definitivos, como a laqueadura.

Por outro lado, as formas de contracepção voltadas para os homens se resumem a apenas duas até hoje: camisinha e vasectomia. 

Quais são os métodos contraceptivos masculinos?

O preservativo, apesar de também proteger contra infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), pode ser ineficaz se não for usado da maneira adequada. Segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, em média 13% das colocações de camisinhas são falhas.

Já a vasectomia, apesar de ser altamente eficaz, costuma ser indicada apenas para homens que já tenham filhos e é considerada um método definitivo. Apesar de existir a cirurgia para revertê-la, ela pode não funcionar em muitos casos, como quando o procedimento foi feito há mais de 15 anos.

Assim, ao mesmo tempo em que a pílula e todos os outros métodos contraceptivos deram às mulheres controle sobre seus corpos, elas acabaram sendo as principais responsáveis por evitar uma gestação indesejada, observam estudiosos do tema, como Krystale Littlejohn, professora assistente na Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, e autora do livro “Just Get on the Pill: The Uneven Burden of Reproductive Politics” (em tradução livre para o português, “Apenas tome a pílula: O peso desigual das políticas reprodutivas”).

“Socializamos as pessoas que engravidam de uma forma que faz com que elas acreditem que a responsabilidade de prevenir gestações é delas. Assim, elas são culpabilizadas e estigmatizadas quando não conseguem fazer a prevenção, ao mesmo tempo em que não atribuímos igualmente essa culpa aos seus parceiros”, disse Littlejohn ao jornal norte-americano Washington Post.

Por que a pílula masculina ainda não existe?

Passados mais de 60 anos desde a revolução causada pela pílula feminina e com o aumento do entendimento de que a contracepção e o planejamento familiar devem ser responsabilidades compartilhadas, por que, então, a ciência ainda não inventou uma medicação semelhante para os homens?

A resposta a essa pergunta estaria nas diferenças fisiológicas entre homens e mulheres. Ou seja, os alvos dos medicamentos funcionam de forma completamente diferente em cada organismo.

Já houve, em um passado recente, uma série de tentativas de se obter uma “pílula masculina” que também fosse à base de hormônio.

Nos anos 1990, a própria OMS (Organização Mundial da Saúde) conduziu estudos sobre o uso da testosterona para esse objetivo, mas as pesquisas foram suspensas após testes em humanos.

A testosterona de fato se mostrou eficaz para bloquear a produção de espermatozoides, porém, como os homens têm uma produção alta e contínua deles, as doses do hormônio precisavam ser muito altas, o que causou uma série de efeitos adversos, como acne, ganho de peso, oscilação de humor e até risco aumentado para doenças cardiovasculares.

“Além disso, não havia uma garantia de retorno ao padrão da fertilidade anterior ao uso do medicamento, ou seja, de 4% a 5% dos homens ficariam inférteis no longo prazo. É um número pequeno, mas não é desprezível”, complementa Giuliano Aita, do departamento de reprodução da Sociedade Brasileira de Urologia.

Já as mulheres, por ovularem uma vez por mês, de forma cíclica e com uma quantidade de óvulos infinitamente menor, podem receber uma dose reduzida de hormônios.

“Nas mulheres, as doses hormonais, se considerarmos o longo prazo, são consideradas baixas e não trazem repercussões comparáveis às que acontecem no homem quando o objetivo é fazer a contracepção. E, apesar de algumas mulheres relatarem alguns sintomas adversos, como redução de libido, é um tratamento, em geral, bem aceito”, diz Aita.

Os potenciais efeitos colaterais dos novos contraceptivos masculinos têm sido uma preocupação em especial para as agências reguladoras, explicou Heather Vahdat, diretora executiva da organização americana Male Contraception Initiative (MCI), que não só advoga pela causa como também financia novas frentes de pesquisas em contracepção masculina.

Há uns anos, um teste promissor para uma injeção hormonal foi interrompido logo após os participantes relatarem efeitos colaterais, como acne, dor no local da aplicação e alterações de humor. 

A medida suscitou muitas críticas, na época, pois muitos apontaram que as opções de controle de natalidade amplamente utilizadas pelas mulheres podem ter efeitos colaterais semelhantes, quando não mais graves. A pílula, por exemplo, tem sido associada a um risco aumentado para trombose, entre outros efeitos adversos.

Os ensaios são conduzidos por comitês independentes de monitoramento de segurança, que são quem interrompem ou dão prosseguimento aos estudos clínicos.

A diferença está no cálculo do risco. Aos olhos dos reguladores, os homens normalmente não correm os mesmos riscos dos efeitos graves e potencialmente mortais de uma gestação ou de um parto, que podem superar os possíveis efeitos colaterais do controle de natalidade. Esse cálculo, portanto, aumentaria os limites dos riscos aos quais as mulheres, em tese, poderiam se submeter ao utilizarem a pílula hormonal. 

Mas, segundo Vahdat, embora um homem cisgênero não possa engravidar, isso não significa que ele não esteja disposto a tolerar uma dor de cabeça ou acne ou outros possíveis efeitos colaterais.

Fato é que outros estudos com hormônios em homens também não foram pra frente pelos mesmos motivos: fortes efeitos colaterais que inviabilizariam seu uso amplo na população.

Isso explicaria por que algumas tentativas de se criar métodos contraceptivos hormonais para homens fracassaram no passado.

Mas a questão não é apenas biológica. Ela também tem seu componente social, segundo estudiosos do assunto.

De acordo com MCI, esse tema é historicamente subfinanciado e subpesquisado ao redor do mundo. 

Para a organização, há muitos entraves, como uma percepção equivocada da sociedade e dos financiadores de que não haveria uma demanda para novos métodos contraceptivos, além do fato de as farmacêuticas não investirem em tais pesquisas, deixando esse problema nas mãos da filantropia e de órgãos públicos. 

O resultado desse desinteresse é uma sobrecarga para a mulher, que acaba sendo a maior responsável pelo assunto, quando o modelo ideal seria o duplo uso de contraceptivos (pelos dois lados do casal), afirma a MCI.

A recente onda de banimento do aborto nos Estados Unidos elevou a temperatura do assunto. A busca por vasectomias naquele país aumentou, assim como o interesse público por novas formas de contracepção masculina.

“A ideia de que isso é uma responsabilidade somente da mulher é uma ideia ultrapassada”, afirma o urologista Giuliano Aita, da Sociedade Brasileira de Urologia, para quem já existiu, sim, uma resistência dos homens de dividirem as responsabilidades sobre o controle de natalidade.

“Já houve, sim, uma barreira cultural, mas ela vem gradativamente sendo superada. E, hoje, me arrisco a dizer que não há barreiras, sobretudo na geração que está no pico da fertilidade (até os 40 anos), ela está aberta a essas novidades. Tenho observado, inclusive, adultos jovens que não querem ter filhos e buscam fazer uma vasectomia”, diz Aita.

Como estão as pesquisas?

Pílula masculina

Um dos estudos financiados pela MCI trouxe boas notícias no começo deste ano. Em março, um grupo de pesquisadores da Universidade de Minnesota, nos EUA, anunciou resultados muito positivos de uma pesquisa, ainda em fase de testes em animais, de uma pílula masculina. 

O contraceptivo tem como alvo uma proteína envolvida no processo de produção de esperma. Durante quatro semanas, os ratos machos que receberam, via oral, um composto chamado YCT529 tiveram sua produção de espermatozoides reduzida drasticamente (com taxa de eficiência de 99%) sem apresentar efeitos colaterais, mesmo quando recebiam altas doses. E, em quatro ou seis semanas depois do uso, os animais voltaram aos seus níveis de fertilidade anteriores. 

Ainda que falte uma etapa decisiva –do teste em seres humanos, programada para começar ainda neste ano–, o fato de a pílula não mexer no eixo hormonal é algo inovador e traz boas perspectivas para sua ampla aceitação.

Injeção de longa duração

Outra iniciativa vem sendo desenvolvida por uma empresa americana de biotecnologia, a  Contraline. Chamada de “DIU para os homens”, o projeto batizado de “Adam” consiste em injetar uma espécie de gel no órgão reprodutor masculino para bloquear mecanicamente a passagem dos espermatozoides pelos canais deferentes, que os levam até o sêmen, sem impactar a ejaculação. A ideia é que seu efeito dure até um ano.

Na Índia há uma linha de pesquisa semelhante. Chamado de “vasectomia não cirúrgica”, o contraceptivo também é em forma de injeção local, mas o efeito prometido é bem mais duradouro, de até 10 anos.

O gel aplicado localmente danifica parte da estrutura do espermatozoide, que, por sua vez, fica impedido de fecundar o óvulo. Assim como no DIU das mulheres, o procedimento da aplicação das injeções nos ductos deferentes é feito em consultório médico depois de uma anestesia local.

Segundo os cientistas do Instituto Indiano de Tecnologia, que estão desenvolvendo o Risug (sigla em inglês para “Inibição Reversível do Esperma Sob Controle”), o método obteve 97% de taxa de eficácia em testes com 300 voluntários e foi considerado menos doloroso, além de poder ser revertido a qualquer momento, o que provaria sua superioridade em relação à vasectomia. 

Segundo o urologista Giuliano Aita, esses métodos à base de injeção, que também não são  hormonais, foram pensados para integrar a categoria de contracepção temporária, mas podem ser considerados invasivos por alguns homens. 

“O homem que vai se submeter a uma injeção de canal deferente pode acabar optando pela vasectomia”, pondera Rogério Bonassi, presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).

Gel contraceptivo

Outra frente de pesquisa está sendo patrocinada pelos Institutos Nacionais de Saúde (os NIH) americanos: um estudo clínico avalia a eficácia de um gel hormonal contraceptivo chamado NES/T. Este produto, que está na fase 2 de testes, seria aplicado diariamente pelo homem nos ombros e braços e tem em sua composição a testosterona. 

A estimativa dos pesquisadores é que, em uma previsão otimista, ele esteja disponível em cinco anos.

Apesar das iniciativas promissoras, Heather Vahdat, da organização Male Contraceptive Initiative, já disse em entrevistas que ainda levará pelo menos 10 anos para que o mundo conheça um anticoncepcional masculino.

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