Tem gente que acha que fazer um monte de exames periódicos é uma boa forma de se cuidar, mas as melhores evidências científicas apontam que essa não é a prática mais saudável, sabia?
Fazer exames com o objetivo de caçar doenças em pessoas sem sintomas nem sempre é sinônimo de prevenção, e pode até causar problemas. Esse {mau} hábito tende a aumentar o risco da chamada iatrogenia, que significa danos à saúde causados por intervenções médicas.
“O problema não é o exame, necessariamente, mas a estratégia. Procurar por uma doença cardiovascular em um paciente sem sintomas e de baixo risco é uma estratégia de baixíssimo sucesso, que traz um possível falso positivo, além de tratamentos desnecessários a partir disso”, explica Guilherme Brauner Barcellos, coordenador nacional da Choosing Wisely, iniciativa multinacional que promove discussões sobre excesso de intervenções médicas.
Falso positivo é quando um exame indica que há algum problema, mas o resultado não é correto, e isso só é descoberto depois de que outros exames (às vezes invasivos) foram feitos. Isso pode acontecer por vários motivos, como uma indicação inapropriada para o teste. Já imaginou passar por isso?
O cenário muda, segundo Barcellos, se a pessoa tiver sintomas possivelmente associados a uma condição, como uma doença cardiovascular. “Neste caso, faz mais sentido pedir um teste ergométrico”, argumenta o médico. Outros fatores que influenciam a decisão são histórico familiar, idade, hábitos de vida e a situação geral da saúde.
“As pessoas tendem a achar que não prescrever os exames anuais significa que somos contra a prática, mas estamos discutindo aquele momento. Se o paciente apresentar sintomas, aí, sim, será investigado”, detalha.
Rafael Pereira, médico de família e comunidade, além de médico gestor da Alice, lembra que a prevenção está mais relacionada aos hábitos, como exercícios físicos regulares, alimentação saudável e redução do consumo de bebidas alcoólicas ou cessação do tabagismo.
O check up entraria em outra categoria, a do diagnóstico precoce – que nem sempre funciona.
“Os exames de rastreamento não são uma panaceia [remédio universal]. Os exemplos do rastreio se assemelham à ideia de achar uma agulha em um palheiro. Uma quantidade enorme de pessoas é testada para beneficiar poucas”, explica Barcellos.
Riscos dos exames de check up
Pode ser difícil acreditar que exames médicos – mesmo aqueles pouco invasivos, como os de imagem – possam causar mal. Mas a experiência da população da Coreia do Sul serve de exemplo até hoje para os profissionais de saúde.
Em 1999, o governo sul-coreano deu início a um programa de exames para o diagnóstico de alguns tipos de câncer e outras doenças em todo o país. Embora o câncer da tireoide não tivesse sido incluído logo de início, as clínicas ofereciam a ultrassonografia que permitiria o diagnóstico precoce a um custo adicional, mas acessível.
O impacto apareceu anos depois. Em 2011, o diagnóstico de câncer de tireoide era 15 vezes maior do que em 1993, mas não havia alterações nos dados de mortalidade pela doença.
“O câncer de tireoide é, agora, o tipo de câncer mais comumente diagnosticado na Coreia do Sul. Mais de 40 mil pessoas no país receberam o diagnóstico em 2011 – que é 100 vezes maior ao número de pessoas que morreram de câncer de tireoide que, na última década, esteve entre 300 a 400 por ano. Praticamente todas as pessoas diagnosticadas eram tratadas: cerca de dois terços passaram por uma tireoidectomia radical e um terço passou por uma tireoidectomia parcial”, destacam os autores de um artigo publicado no periódico científico The New England Journal of Medicine, em 2014.
Segundo Pereira, a retirada da tireoide demanda uma reposição hormonal pelo resto da vida, já que a glândula é responsável por hormônios que atuam no metabolismo do corpo. “Todos os cânceres de tireoide foram detectados, mas sem nenhum benefício em relação à mortalidade. É uma condição com muito falso positivo e mesmo as lesões neoplásicas [cancerígenas] podem não evoluir. Tiram a glândula, fazem reposição hormonal, mas o benefício provável é inexistente”, contextualiza.
Outros riscos por trás do check up geral, de acordo com o médico de família e comunidade, são:
- Resultado falso positivo;
- Repetição de exames para confirmar, ou corrigir, o diagnóstico;
- Sequelas dos exames ou de tratamentos inapropriados.
De acordo com Daniel Knupp, médico de família e comunidade, parte do Time de Saúde da Alice, toda intervenção médica pode gerar efeitos colaterais, e algumas valem o risco quando há sintomas ou indicativos de que, possivelmente, existe uma doença em curso. Nesses casos, os benefícios dos exames são maiores do que os possíveis danos.
No caso dos check ups, há um desequilíbrio. “Se a pessoa está com o ombro doendo e isso está atrapalhando a rotina, é fácil perceber que há um benefício em prescrever o exame. Quando a pessoa está bem, sem sintomas, é mais complicado, porque qualquer efeito colateral que surgir da cascata de exames e tratamentos do check up é um prejuízo”, explica o médico, que também é ex-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.
Além da tireoide, outro exemplo comum é o rastreio para o câncer de próstata quando não há a indicação por idade, histórico familiar ou sintomas. Este rastreio utiliza dois exames: o antígeno prostático específico (PSA), que é um exame de sangue; e o teste do toque, que demanda o contato do médico com a glândula do paciente. Se o resultado vier alterado, pode ser um caso de overtreatment, ou sobrediagnóstico, e os riscos são vários, segundo Knupp.
“O risco de uma infecção, após a biópsia da próstata, ou de incontinência urinária e disfunção erétil após o tratamento de prostatectomia [retirada da glândula] é alto. Se considerar que aquele pode ter sido um sobrediagnóstico, ou que aquela pessoa não teria sintomas decorrentes do câncer identificado, essas sequelas e efeitos colaterais são importantes”, exemplifica Knupp, citando o câncer de próstata.
Lista de exames mais comuns
Os exames mais comumente solicitados são:
- Papanicolaou, ou exame citopatológico, para diagnóstico do câncer do colo do útero;
- Mamografia, para diagnóstico do câncer de mama;
- Toque retal, para diagnóstico do câncer de próstata;
- Teste ergométrico (ou de esforço), para avaliação cardiovascular;
- Exame de tireoide, para diagnóstico do câncer da tireoide;
- Check up oftalmológico.
Value Based Healthcare
Evitar exames desnecessários é benéfico para o indivíduo, mas também para todo o sistema de saúde, que reduz gastos. A prática conversa com o conceito de Value Based Healthcare (VBHC), ou cuidados de saúde baseados em valor, ou em resultado.
Trata-se de um modelo que foca a entrega do melhor resultado em saúde com a melhor experiência ao indivíduo. Isso envolve desde a indicação de exames que a pessoa realmente precisa fazer até a necessidade de consultas com especialistas ou internações hospitalares.
O modelo tradicional da saúde suplementar no Brasil, por exemplo, favorece a busca por especialistas e se preocupa mais com a quantidade de exames, procedimentos e intervenções – pelos quais os planos de saúde são remunerados – do que com a qualidade e experiência do paciente.
Check up geral: deve-se fazer?
Para ficar claro: o problema não são os exames, mas o momento e os motivos pelos quais eles são indicados. E aí vale uma diferenciação entre check up geral e screening, ou rastreamento.
Check up geral se refere a uma bateria de exames que avaliam a pessoa da cabeça aos pés, e que são feitos, muitas vezes, uma vez por ano.
Screening, ou rastreamento, são exames específicos e indicados com base nas evidências científicas. Sabe-se, por exemplo, que o câncer de mama tende a surgir com mais frequência entre mulheres mais velhas e principalmente com histórico familiar. Sendo assim, mulheres com este perfil têm a indicação de passar pelo screening da mamografia.
Prescrever os exames do screening se baseiam em alguns fatores, de acordo com Knupp. São eles:
- Sexo biológico: alguns exames fazem mais sentido para mulheres e outros para homens;
- Idade: problemas cardiovasculares, diabetes e colesterol alterado, por exemplo, tendem a ser mais comuns com o avanço da idade;
- Histórico familiar: se pai ou mãe tiver diagnóstico de diabetes, pode ser necessário avaliar a glicemia do paciente, por exemplo. O mesmo vale para alguns tipos de câncer, como o de mama;
- Situação geral de saúde: se tiver doenças crônicas, estão controladas? Quais medicamentos faz uso? Há alguma dificuldade em fazer as atividades cotidianas? Isso tudo pode influenciar na decisão de um exame;
- Hábitos de vida: faz exercícios com regularidade? A alimentação é saudável? Usa cigarro? Consome bebida alcoólica?
Exame de sangue, imagem e vacinas: o que fazer?
Em uma publicação para os leitores, a revista científica Journal of American Medical Association (Jama) listou alguns procedimentos que deveriam fazer parte de um check up anual, pois há evidências de que possam beneficiar a saúde. Por exemplo:
- Avaliação da pressão arterial, frequência cardíaca, peso e altura;
- Discussão sobre testes de rastreamento para câncer, desde que sejam apropriados para a idade e histórico médico (exemplo: colonoscopia para o câncer colorretal, mamografia para o câncer de mama ou Papanicolaou para o câncer do colo do útero);
- Discussão sobre outros testes de rastreamento (exemplo: infecções sexualmente transmissíveis; osteoporose, hepatite C);
- Exame de sangue para avaliações que sejam apropriadas para a idade e histórico médico (exemplo: colesterol e glicemia);
- Vacinas (contra gripe, tétano, pneumonia, herpes zóster);
- Rastreamento para depressão;
- Avaliações adicionais para pessoas mais velhas, como risco de queda, perda de audição ou de memória, e as diretivas antecipadas de vontade [os desejos com relação à saúde em caso de doença degenerativa, grave e sem possibilidade de cura].
“As hepatites virais, que são altamente prevalentes e podem ser assintomáticas, deveriam estar num rastreio que as pessoas não fazem. Ou o rastreio do HIV que também se justifica de tempos em tempos, em algumas populações, mesmo assintomáticos, mas nem sempre é solicitado pelo médico ou pelo paciente”, alerta Guilherme Barcellos, coordenador da Choosing Wisely Brasil.
Check up: decisão compartilhada
Não cabe apenas ao médico, ou ao paciente, bater o martelo sobre quais são os exames necessários (e os desnecessários) a serem feitos naquele momento. Esta é uma decisão compartilhada, segundo explica Rafael Pereira, médico de família e comunidade.
“Sempre que a pessoa tiver alguma preocupação de saúde, é importante que leve essa dúvida ao profissional da saúde. Ele vai ter a visão técnica e explicar por que o exame é importante ou não, naquele contexto. A pessoa não deve presumir que precisa passar pelo procedimento, como acontece com a endoscopia”, explica o médico.
Segundo Pereira, a endoscopia muitas vezes é solicitada por curiosidade, apesar de ser um exame invasivo, ao qual o indivíduo precisa ser submetido a uma anestesia e tem um tubo inserido pela boca.
“As pessoas querem ver e ter certeza que estão bem. Às vezes algum colega ou amigo teve uma doença, uma experiência negativa, e ela precisa ter certeza que não tem a mesma condição. Mas, ao fazer isso, pode se machucar.”
Para tomar a melhor decisão, é preciso ter informações, alerta Barcellos. “Entender a magnitude dos benefícios dos exames, quando eles existem, permite conversas mais direcionadas em prol do paciente. Quando se fala em check up, dificilmente se fala dos riscos. É preciso calibrar as expectativas para que o paciente tome uma decisão racional”, afirma.
Perguntas para se fazer na consulta médica
Se tiver dúvidas sobre os exames ou procedimentos solicitados pelos profissionais de saúde, a solução é perguntar. E, caso não saiba o que exatamente questionar, há pelo menos cinco perguntas indispensáveis, de acordo com a Choosing Wisely Austrália:
1) Eu realmente preciso deste exame, tratamento ou procedimento?
2) Quais são os riscos?
Quais são os efeitos colaterais deste exame ou tratamento? Quais os riscos de os resultados não serem muito precisos? O resultado deste exame levará a outros exames?
3) Há opções mais simples ou mais seguras?
Mudanças no estilo de vida podem ser uma opção neste caso?
4) O que acontecerá se eu não fizer nada?
5) Quais são os custos?
Nesta questão, valem tanto os custos financeiros quanto emocionais ou de tempo.
Quando eu devo parar de fazer exames?
A prática do screening não precisa acompanhar toda a vida. Homens acima de 70 anos, por exemplo, não precisam ser rastreados rotineiramente para o câncer de próstata porque, em geral, é uma doença que avança lentamente.
A orientação é da US Preventive Task Force, um grupo de especialistas da atenção primária de saúde dos Estados Unidos que compila os resultados dos estudos clínicos e serve de guia para os profissionais de saúde na escolha dos exames de rotina, e da Associação norte-americana de Urologia.
“Nem sempre uma doença vai evoluir até o ponto sintomático. Um exemplo clássico é o do câncer de próstata, que pode ficar estável ao longo da vida. Identificar antes, nesses casos, não ajuda em nada, mas a pessoa passa por tratamentos sem benefício”, explica Rafael Pereira, médico de família e comunidade.
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